A primeira troca de golpes da 45ª conferência de cúpula do G7 já aconteceu antes do início do evento, quando o presidente da França, Emmanuel Macron, acusou seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, ausente do encontro, de mentir com promessas sobre a proteção climática. Por isso, ele não ratificaria o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia, assinado em julho, assegurou o francês. A Irlanda alinhou-se com sua decisão.
Em resposta, Bolsonaro acusou Macron de evocar “mentalidade colonialista descabida no século 21”. E assim o polêmico tema da mudança climática global serviu como combustível para atrito antes mesmo da abertura da cúpula, que vai de 24 a 26 de agosto.
O centro da antiga estação balneária Biarritz, na costa sudoeste da França, está cercado por todos os lados e silencioso como uma cidade-fantasma. A vasta praia diante do Hotel du Palais, local do encontro político internacional, está deserta, até o mar está interditado para banhistas e surfistas.
E no entanto a majestosa vila de verão de Napoleão 3º, construída em meados do século 19, talvez não seja o local ideal para se discutir sobre a desigualdade global – como já observaram com sarcasmo alguns críticos do encontro das sete maiores potências econômicas. Responsáveis pela segurança dos hóspedes estatais são 13.200 policiais, até mesmo os residentes do local precisam portar uma identificação especial.
Os manifestantes opositores foram expulsos e se reúnem na cidade de Hendaye e em Irun, no País Basco, do outro lado da fronteira com a Espanha. De antemão, a polícia já tentara identificar os membros dos anarquistas black blocs, notoriamente propensos à violência. Além disso são esperados “coletes amarelos” radicais, e diversos grupos de críticos da globalização.
A manifestação central dos opositores está programada para a tarde de sábado, ainda antes de se reunirem para um jantar informal os dirigentes da Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, assim como Donald Tusk representando a União Europeia. Caso haja distúrbios, como em cúpulas anteriores, eles se desenrolarão longe dos hóspedes perfeitamente isolados.
Antes da abertura oficial, Pequim deu sua mais recente alfinetada política contra o presidente americano, Donald Trump. Claro que não foi acaso o país asiático escolher precisamente este fim de semana para anunciar sobretarifas de 75 bilhões de dólares sobre produtos dos EUA. Trump rebateu imediatamente pelo Twitter, evocando as supostas centenas de bilhões que seu país teria perdido ao longo de anos, devido a práticas comerciais fraudulentas e roubo de propriedade intelectual pela China.
Porém o que estraga o humor do magnata imobiliário não é apenas o próximo round dessa guerra comercial, mas também a ameaça de recessão, que estragaria suas chances de reeleição; sua briga com o Fed, o banco central americano; e, a rigor, qualquer outro assunto da política mundial. Assim, já era quase garantido que Trump chegaria a Biarritz em seu modo de beligerância máxima.
Sobretudo na discussão generalizada sobre uma nova relação com a China, não é de se esperar qualquer solução construtiva. Assim que Trump entrar nos detalhes de suas últimas ofensivas tarifárias, está aberto o ringue para uma nova fase do conflito crescente. E no entanto seria urgente discutir questões como a reforma da Organização Mundial de Comércio (OMC), uma posição conjunta perante Pequim, e se um comércio mundial baseado em regras tem futuro.
O novo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, participa pela primeira vez de um encontro do G7. Suas reuniões preparatórias em Berlim e Paris – ao contrário do que afirmam certos veículos da imprensa do Reino Unido – não trouxeram qualquer avanço nos impasses do divórcio da União Europeia. Portanto não se devem esperar novidades sobre o assunto em Biarritz.
O líder conservador tem que manter um equilíbrio cauteloso. Ele segue precisando dos europeus como parceiros na política externa e de segurança, assim como para o Brexit. Portanto não pode se deixar seduzir por Trump e de repente destoar dos vizinhos, por exemplo, na política para com a Rússia ou o Irã.
Por outro lado, o presidente dos EUA deverá ter grande prazer em usar o premiê britânico como pomo da discórdia para atacar a UE, louvar o Brexit e fazer vagas promessas de um acordo de livre-comércio com o Reino Unido. Johnson não pode se dar ao luxo de se desentender com Trump nem com os europeus. Seu desempenho exigirá muita destreza diplomática.
Se antes era uma honra receber os chefes de Estado e governo das principais nações industriais, nos últimos anos essa tarefa se transformou num exercício de horror.
Macron esmerou-se para preparar bem a conferência: encontrou-se com seu homólogo Vladimir Putin, a fim de fortalecer o contato com a Rússia; e até mesmo conversou com o ministro iraniano do Exterior, Mohammad Javad Zarif, a fim de atenuar a crise nuclear. Além disso, convidou o premiê indiano, Narendra Modi, para o encontro – ao lado dos dirigentes da Austrália, Chile, Espanha e Ruanda.
Mas todos esses esforços deverão se em vão no confronto com Donald Trump, cujo curso único é radicalmente “contra”. Ele quer manter a linha-dura contra Teerã, mas perdoar a Rússia pela anexação da Crimeia e convidá-la de volta para o clube das nações mais poderosas, reconstituindo o defunto G8.
O líder republicano tem atacado regularmente a UE e sua coesão, pois considera inúteis as organizações internacionais em geral. Sua ideologia de “America first” impede a concretização de reformas do comércio mundial. Observadores americanos veem Trump cada vez mais isolado no G7. Por outro lado, será impossível para os grandes europeus, Canadá e Japão reconfigurarem a ordem mundial sem participação dos EUA.
Para Emmanuel Macron, a situação é um pesadelo político. Em face dos devastadores incêndios na Amazônia, acrescentou o assunto à ordem do dia. Ele terá a maioria dos participantes do seu lado, mas não o presidente dos EUA. Para este, a mudança climática abre uma oportunidade de negócios, já que o derretimento das geleiras no Ártico súbito transforma a Groenlândia num imóvel cobiçado.
Por via das dúvidas, antes do encontro o presidente francês cancelou o tradicional comunicado final conjunto. Ele sabe que um consenso é impossível, e quis evitar, de antemão, que a cúpula seja oficialmente declarada um fracasso.