DF teve 15 mil casos da doença em 14 meses, período dos repasses.
Recursos ficaram aplicados em banco e usados para outros fins, diz CGU.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal gastou somente 5,2% dos quase R$ 2,9 milhões repassados pela União especificamente para ações de combate à dengue, aponta um relatório do Ministério da Transparência. As análises foram sobre repasses entre janeiro de 2015 e fim de fevereiro deste ano, período em que o DF teve 15.073 casos confirmados de dengue – média de 35 por dia.
Apesar da epidemia, os auditores atestam que a verba para enfrentar o Aedes aegypti e outras ações de vigilância foi usada em aplicações financeiras, pagamento de servidores e fornecedores e na compra emergencial de produtos supostamente superfaturados em quase R$ 1,2 milhão.
Questionada pelo G1, a Secretaria de Saúde informou que a verba ainda não utilizada está aplicada enquanto os processos de compra regular de insumos e equipamentos para o combate ao Aedes estão em andamento. “Esta verba será utilizada para essas novas aquisições com quantitativo suficiente para um ano”, diz a pasta.
“As compras emergenciais para o combate à dengue foram necessárias diante do quadro vivenciado no DF no início deste ano, onde os casos da doença aumentaram consideravelmente. Com esta epidemia, que acometeu todo o país, não era possível esperar a finalização do processo regular de compra, que, por conta de seus trâmites legais, demora mais para ser finalizado”, continuou a secretaria.
Para os auditores, a situação representa um “paradoxo”. Por um lado, os fiscais citam o “aumento significativo dos casos das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes Aegypti, com a flagrante explosão das epidemias, que se intensificaram de 2015 para 2016”, e por outro, “a ineficácia das ações da secretaria”.
Manejo de verba federal
De acordo com o ministério, a secretaria manteve “congelados” recursos federais voltados para a saúde. Parte foi aplicada em CDB (que rendem cerca de 12% ao ano), no BRB – banco público do DF. Os auditores não receberam resposta sobre o motivo de o dinheiro não ter sido usado.
Segundo o controlador-geral do DF, Henrique Ziller, é obrigação aplicar recursos públicos “parados”. “Verba, quando não é utilizada, tem que ser aplicada. O problema não é a aplicação. O problema é não usar”, afirmou. Segundo ele, a situação demonstra deficiência de gestão por parte da Secretaria de Saúde.
É o que também estima o representante da ONG Contas Abertas Gil Castello Branco. “A finalidade do recurso público é ser usado em favor da sociedade. Tem que saber por que não foi usado na sua finalidade essencial: o combate à dengue. O erro não está na aplicação financeira, e sim no não uso do dinheiro importante nessa crise envolvendo a dengue.”
Ainda segundo o relatório, a secretaria usou R$ 1,3 milhão da verba federal exclusiva para vigilância para pagar servidores. Segundo o coordenador-geral de auditoria da área de saúde da Controladoria Geral da União (CGU), Adriano Augusto de Souza, a medida fere um decreto federal de 2011.
“Muitos dos problemas encontrados na Caixa de Pandora [relevados em um relatório de 2010] persistem na Secretaria de Saúde do GDF, como a questão da aplicação de verba no sistema financeiro. Isso revela que não houve evolução da gestão”, disse o auditor. “O não uso de verba federal mostra um planejamento inadequado de ações de combate ao mosquito. O discurso do GDF não ficou alinhado com o do governo federal.”
Superfaturamentos
O relatório de fiscalização aponta um possível superfaturamento de R$ 1,2 milhão em cinco contratos na compra de fumacê, larvicidas, armadilhas para mosquitos, óleo mineral e inseticida. Quatro desses contratos beneficiaram uma só empresa.
Todos eles foram firmados de maneira emergencial: ou seja, sem necessidade de realizar licitação. De acordo com a secretaria, a situação era justificada por configurar “caso de calamidade de saúde pública”.
A compra de 2 mil armadilhas para mosquitos e de 10 mil armadilhas para larvas é destacada no documento. Os auditores mostram que os produtos foram comprados por um preço final de R$ 1,77 milhão – R$ 31,4 mil a mais do que a primeira proposta da empresa. Ainda segundo os fiscais, não havia justificativa para a aquisição porque ainda havia equipamentos comprados anteriormente em estoque.
“Até o final dos trabalhos de campo da equipe, em 1º de abril de 2016, apenas uma amostra das armadilhas foi instalada para teste nas dependências da Dival/SVS [Diretoria de Vigilância Ambiental], estando o restante do material adquirido mantido em estoque, sem previsão de instalação, ficando, portanto, descaracterizada a condição emergencial atribuída à aquisição”, aponta o documento.
Questionada pelos auditores, a Secretaria de Saúde disse que a distribuição das armadilhas começou em 24 de fevereiro em áreas do DF em que não estavam sendo utilizados tratamentos químicos. Nas demais áreas, as armadilhas foram distribuídas em 4 de abril, “seguindo o planejamento”.
Outros pontos
Os membros do Ministério da Transparência questionam por que a secretaria não contratou nenhum agente de combate à endemia entre janeiro de 2015 e fevereiro de 2016, mesmo tendo verba específica para isso. Outro aspecto que foi destacado pelos auditores é a falta de controle sobre o estoque dos insumos usados para combater o mosquito.
Eles também perguntam por que não houve nenhum investimento em prevenção e educação para combater o mosquito, usando dinheiro que a União tinha mandado para isso. Ou seja, demanda por que o GDF não promoveu ações de comunicação, mobilização e publicidade voltadas à erradicação do Aedes aegypti. A secretaria não respondeu às perguntas, disse apenas que foram usados recursos locais.
“Foi informado pela Chefe do Núcleo de Mobilização Social que algumas ações tais como: teatrinho em escolas, palestras, entrega de panfletos, etc. foram executadas, de forma precária, com recursos da Secretaria de Saúde do DF, tendo em vista que os recursos federais não foram disponibilizados para a DIVAL, área finalística responsável por tais campanhas, embora a equipe tenha verificado a existência de R$ 47.211.135,14 de saldo na conta específica do Bloco Vigilância em Saúde”, cita o relatório.
Gestão criticada
Em diversos momentos, a Secretaria de Saúde não apresenta respostas para os questionamentos dos auditores. Para o coordenador-geral Adriano Augusto de Souza, isso comprometeu o processo de fiscalização. “Tem documento que solicitamos que não foram fornecidos, sendo que tiveram três oportunidades em três meses para isso. As nossas conclusões poderiam ser até diferentes dependo da explicação sobre cada ponto”, disse.
Como o Ministério da Transparência não tem competência para cobrar resposta, os questionamentos foram encaminhados ao Ministério Público do DF. O órgão pode inclusive acionar a secretaria na Justiça em busca de esclarecimentos sobre o uso dos recursos públicos.
Paralelamente, o Ministério da Saúde também pode solicitar a devolução do dinheiro não utilizado, caso o GDF não consiga comprovar que usou. Outra medida que pode ser tomada pela pasta, em última instância, é suspender os repasses ou mudar os valores liberados para o DF.
Segundo Souza, o Ministério da Saúde também vai passar por auditoria. “Se detectar que o planejamento no governo federal também foi inadequado, a gente pode fazer com que o dinheiro seja remanejado.”