Corretores e cartórios questionaram, e instrução normativa foi republicada. Texto tratava parcelas a vencer como inadimplência, dizem tributaristas.
O governo do Distrito Federal voltou atrás e republicou, no fim da semana passada, regras para o registro de escrituras e a transferências de imóveis. Com a mudança, quem quiser vender uma casa não vai precisar mais quitar todo o IPTU daquele ano antecipadamente. A norma atualizada foi publicada no último dia 31 e já está em vigor.
Segundo o GDF, a medida era uma forma de combater a inadimplência e dar segurança aos compradores, que teriam a certeza de fazer um investimento sem pendências.
Em nota , a Secretaria de Fazenda afirmou que a republicação “visou reforçar a segurança jurídica do dispositivo, tendo em vista que a publicação anterior conferia entendimentos divergentes em relação ao processo”. Segundo a pasta, a intenção de proteger contribuintes e Estado foi mantida no novo texto.
Sem dívida
Na prática, o contribuinte que estava com tudo em dia era tratado como inadimplente. “A [Secretaria de] Fazenda não pode exigir que eu pague o que ainda não venceu. Ainda que tenha sido feito o lançamento do IPTU, a Fazenda não pode exigir o débito antes do vencimento”, diz a advogada tributarista Olívia Tomello.
Ela explica que a certidão positiva com efeito de negativa tem, como o nome diz, a mesma função da certidão negativa: indicar que não existe nenhuma dívida pendente e que, por isso, o comprador pode “lavar as mãos” se for contestado pelo governo. O documento também é emitido se os débitos de impostos tiverem sido renegociados ou estiverem sendo contestados na Justiça.
Olívia explica que a cobrança do IPTU é “criada” em 1º de janeiro de cada ano, segundo a legislação, mas só passa a valer quando o boleto é emitido pela Secretaria de Fazenda e enviado ao proprietário. “A regra fere a liberdade da pessoa em vender o próprio bem. Se ela não deve nada ao governo, o governo não pode impedir a pessoa de lavrar uma escritura”, diz.
Ilegal
O procurador especial tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no DF Manoel Arruda Junior afirma que a proposta anterior era ilegal e poderia ter sido contestada na Justiça. Para ele, o GDF tentou passar as novas regras como uma forma de antecipar a arrecadação do IPTU.
“Com finalidade de arrecadação, você pressiona o contribuinte a dispor desses recursos antecipadamente. Além disso, o GDF transfere essa obrigação de fiscalizar para os cartórios, que não têm essa atribuição por lei”, diz o advogado.
A associação que representa os funcionários de cartórios (Anoreg) chegou a orientar a categoria a “ignorar” a instrução normativa e continuar realizando as transferências de imóveis, no início da semana anterior. Na quarta (30), o presidente da entidade, Allan Guerra, confirmou a informação , mas disse que já tinha sido informado da reelaboração da regra e esperava “ver o problema resolvido” nos dias seguintes.
O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-DF), Hermes Alcântara, classificou a medida como mais uma ação do governo para “sobrecarregar a cadeia produtiva”. Segundo ele, o aumento do imposto de transferência de bens (ITBI) e do imposto sobre serviço (ISS) nos cartórios, ambos de 2% para 3%, complicou o mercado local.
“No mercado imobiliário, a burocracia do governo ocasiona uma elevação do preço do imóvel em cerca de 15%. Essas questões de IPTU que vai vencer, que venceu, sempre foram ajustadas entre as partes, no contrato de compromisso de compra e venda. Se há uma contenda, que o GDF faça a inscrição na dívida ativa. Não há porque complicar”, declarou.
Como ficou
Quem pretende vender imóvel ou precisa lavrar uma escritura terá que apresentar uma certidão negativa de débitos relativa àquele imóvel. A certidão positiva com efeito de negativa também vale.
Se o contribuinte tiver impostos pendentes relacionados a outros lotes, essa dívida não interfere na transação. Para isso, é importante que a certidão seja gerada com base no número do registro do imóvel na Receita, e não no CPF do proprietário.
O documento válido pode ser emitido pelo site da Secretaria de Fazenda, nas agências da Receita do DF e nos postos do Na Hora. A certidão deverá ser apresentada no cartório, junto com a quitação da TLP, da taxa condominial e outros documentos que já faziam parte do protocolo.
Com as mudanças, o governo espera reduzir as dívidas dos consumidores com os impostos relativos aos imóveis. A dívida ativa é estimada em R$ 950 milhões de IPTU e R$ 136 milhões de TLP, segundo a Fazenda.