Uma equipe de cientistas do Reino Unido deu um passo promissor rumo ao combate ao envelhecimento celular. Usando inteligência artificial, a startup Shift Bioscience identificou um único gene capaz de rejuvenescer células humanas em cerca de dez anos — sem os riscos comuns de outras abordagens do tipo. A descoberta foi validada em laboratório e, segundo os pesquisadores, poderá servir de base para medicamentos que preveniam ou revertam doenças crônicas associadas ao envelhecimento, como diabete, demência e problemas cardiovasculares.
Imagine uma célula humana com dez anos a menos. Agora, imagine milhões de células rejuvenescidas ao mesmo tempo, sem perder suas funções e sem se transformar em células-tronco, como ocorre com os polêmicos fatores de Yamanaka, conhecidos por sua potência — e também pelos riscos tumorais que carregam. Foi o que conseguiu a equipe da Shift Bioscience, ao descobrir o gene SB000: um fator único que reduz a idade biológica de diversos tipos de célula, mantendo sua identidade e segurança.
“A grande surpresa foi descobrir que não precisávamos de um coquetel de genes para rejuvenescer a célula. Um único gene foi suficiente para reverter vários marcadores de idade biológica sem empurrar a célula para um estado embrionário perigoso”, explica o cientista brasileiro Lucas Camilo, pesquisador da Shift e um dos responsáveis pelo estudo. Segundo ele, a descoberta simplifica o caminho para o desenvolvimento de terapias: reduz os riscos de segurança e acelera os trâmites regulatórios.
O segredo por trás do avanço foi o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial, como o relógio de envelhecimento de célula única — um algoritmo desenvolvido pelo próprio Lucas, capaz de medir com precisão a idade biológica de cada célula a partir do padrão de expressão dos seus genes.
A partir desse sistema, os pesquisadores introduziram um gene de cada vez nas células, observaram o comportamento de milhões delas e analisaram individualmente os resultados. “Entre mais de 1.500 genes avaliados, o SB000 produziu uma grande redução de idade, preservou a identidade celular e não provocou sinais de pluripotência indesejada. Quando repetimos o experimento em outro tipo de célula, o resultado foi ainda mais impressionante, o que confirmou que o efeito era robusto”, afirma.
Além do relógio de envelhecimento, a equipe utilizou uma ferramenta complementar chamada “célula virtual”, um modelo computacional treinado para simular o comportamento de uma célula com base na atividade de milhares de genes. Essa plataforma permitiu testar, no computador, milhões de combinações e prever quais genes poderiam rejuvenescê-la. “Isso economiza meses ou anos de testes laboratoriais. A mesma tecnologia poderá futuramente ser adaptada para descobrir alvos terapêuticos em outras doenças”, destaca Lucas.
Objetivo
O envelhecimento celular é considerado a principal causa das doenças modernas. Com o tempo, as células acumulam danos, perdem eficiência e favorecem o surgimento de quadros como osteoartrite, doenças cardiovasculares, diabete tipo 2, demência e até alguns tipos de câncer. Por isso, ao reverter a idade biológica das células, os cientistas esperam desenvolver terapias que ajudem a prevenir ou tratar uma ampla gama de enfermidades associadas ao avanço da idade. “Nosso objetivo é desenvolver medicamentos que não tratem apenas os sintomas, mas que atuem na causa de origem da maioria das doenças crônicas: o envelhecimento”, diz o pesquisador.
Os próximos passos da Shift envolvem iniciar, nos próximos meses, testes em camundongos para validar a segurança e a eficácia da intervenção genética em organismos completos. Se os resultados forem positivos, a empresa espera avançar para estudos clínicos em humanos nos próximos anos.
A publicação científica que detalha os dados completos do experimento deve ser disponibilizada em versão preprint (prévia) até a primeira semana de junho.
O que significa rejuvenescer uma célula?
Rejuvenescer, neste contexto, não é deixar a célula “com cara de jovem”, mas sim restaurar seu funcionamento ao estado de uma célula mais nova: com divisão mais eficiente, menos danos no DNA, menor inflamação e maior capacidade de resposta a estímulos. Isso é medido por “relógios biológicos”, que observam alterações no padrão de expressão gênica ou na metilação do DNA — como se o corpo tivesse seu próprio calendário interno, que a ciência começa a aprender a atrasar. Doenças como Alzheimer, diabete tipo 2, doenças cardíacas, artrite e alguns cânceres têm como causa, o envelhecimento celular.
Fonte: Correio Braziliense