Composto por músicos voluntários, o conjunto se apresenta e, depois, nas palavras do idealizador, Alan Cruz, “atende a cada um dos pacientes”. Entre os efeitos “colaterais” estão o riso, o choro e a emoção. Chefe do serviço de oncologia e radioterapia da unidade, o médico Marcos Santos aprova o resultado. “A quimio é um tratamento aflitivo. É feita com substâncias tóxicas e os pacientes se sentem angustiados. Com a música, ganham energia para terminar bem uma sessão e até para encarar a próxima”, atesta.
O tratamento tem uma ordem correta. Antes de atender aos pedidos individuais de cada paciente, o grupo faz uma apresentação conjunta. Normalmente, em dupla ou solo.
O grupo já é conhecido dos pacientes. Zilma de Melo Bezerra, 49 anos, luta contra o câncer de mama e passa até cinco horas em uma sessão de quimioterapia. Ela destaca a diferença entre as sessões musicais e aquelas embaladas pelo volume da tevê. “Eu comecei o tratamento em 2014 e fui até o fim. Mas o câncer voltou. O dia fica melhor depois de tanta música. A sensação que temos é de que até respondemos melhor à medicação. Saio daqui renovada, mais alegre”, sorri. Mãe de dois filhos, a autônoma e moradora do Riacho Fundo enumera as ferramentas para enfrentar a doença. “Primeiro Deus, depois a família e, em terceiro, a música”, brinca.
Tímida e de sorriso discreto, Leila Matico Wakamiya, 61, luta contra câncer de mama e ósseo. Pediu um clássico mexicano da cantora Consuelo Velásquez: Besa-me mucho. A letra romântica clama, em tradução livre, “beija-me muito, como se fosse essa noite a última vez. Cercada de instrumentos, ela sorri enquanto limpa as lágrimas do rosto. “Sou muito tímida. Pra mim, isso é uma coisa de outro mundo”, diz. O tratamento da moradora de Planaltina já dura um ano e meio. “Com música, é muito mais alegre. Muito mais animado. É o tipo de coisa que nos ajuda, nos dá forças para encarar o tratamento. Quando eles vêm até nós e pedimos uma música, parece que a gente é que é famoso. Viramos celebridade”, descreve.
Maria de Lourdes Araújo Dourado, 52 anos, por sua vez, pediu uma e ganhou duas. A moradora do Gama foi agraciada com a Asa Branca, clássico de Luiz Gonzaga. Ela faz o tratamento há um mês, já passou pela radioterapia, braquiterapia e, agora, enfrenta a quimio para combater uma forma uterina da doença. “Nos sentimos muito apoiados. Tanto pelo tratamento que recebemos quanto pela oportunidade de ouvir música durante as sessões”, observa.
Francisco Antônio Sousa Pinheiro, 58, concorda. Enfrentando a primeira sessão, e ainda assustado, a apresentação trouxe leveza ao paciente. Motorista de ônibus aposentado e morador de Ceilândia, Francisco pediu para que o Remédio Musical tocasse a canção gospel Noites traiçoeiras e, depois, conversou longamente com a filha no celular. “Não esperava encontrá-los. (A música) nos ajuda a enfrentar os momentos de angústia e a controlar um pouco os pensamentos”, elenca.
Histórias e canções
O artista Alan Cruz, 34, conta sobre uma paciente que, ao comentar a apresentação da banda, disse que era “como um remédio”. Daí nasceu o nome do grupo, Remédio Musical, que hoje conta com cerca de 10 músicos que se revezam a fim de tocar no HUB, no Hospital de base do Distrito Federal e no Hospital da Criança de Brasília. Quando pode, Alan viaja para outros estados para se apresentar em unidades hospitalares. Já esteve em 13 estados, entre eles, no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Sou músico profissional e coordenador de músicos do Sabin. Pago as viagens do meu próprio bolso. A meta é visitar todos os estados brasileiros até 2019”, conta.
Ele começou a tocar na casa de pessoas que sofriam de depressão ainda em Livramento de Nossa Senhora, no sudoeste baiano, onde nasceu. “Ali, eu vi que podia usar a música para transformar a vida das pessoas”, recorda. Em 2005, deixou a cidade e veio para Brasília estudar música. “Já existia um projeto voluntário em 2008. Mas eu o transformei no Remédio Musical inspirado pela paciente. Foi quando comecei a convidar mais e mais amigos para participarem”, narra.
Com inúmeras apresentações, Alan e os colegas colecionaram muitas histórias. Algumas, emocionantes. “Uma vez, uma senhora pediu que tocássemos Yolanda, do Chico Buarque. Eu disse que tocaria e, enquanto nos apresentávamos, ela escrevia. Ela compôs uma crônica na qual contava parte do seu dia e terminava dizendo que, com a música, imaginava-se na praia, ao lado do marido e vendo os filhos brincarem. É para isso que eu faço o projeto. Para que as pessoas se sintam assim”, empolga-se.
Voluntários do projeto, a musicista Mara Silva, 46, e o trompetista peruano Alex Willian Castro, 31, concordam. “É uma troca de emoções com os pacientes em que levamos alegrias e novas ideias, mas ainda ganhamos mais”, garante Mara. “É um importante alimento espiritual para mim. Valorizo mais a vida quando estou aqui”, declara Alex.