Segundo as denúncias apuradas pelo MP, a presidente do instituto, Jane Vilas Bôas, tem cancelado autuações e multas em empreendimentos públicos e particulares, tudo com respaldo de um decreto do Executivo, que também é questionado pelos promotores. Dirigente nega as acusações
Documentos mostram que multas e embargos expedidos por auditores do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) contra obras e entidades de relevância política para o Governo do Distrito Federal (GDF) têm sido sistematicamente revogados pela presidente do órgão, Jane Vilas Bôas. A queda de braço entre os dois lados chegou a colocar o nome do governador Rodrigo Rollemberg (PSB) no centro da crise e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) a intervir no debate.
Para os auditores, a presidente tem cometido irregularidades e ingerências sobre a função deles. Jane Vilas Bôas, por sua vez, diz que os servidores não têm mantido parâmetros que justifiquem as ações. Nos bastidores, o pano de fundo seria uma tentativa dos auditores de serem transferidos para a Agência de Fiscalização do DF (Agefis).
No centro da polêmica, está também o Decreto nº 37.506/16, de autoria do Executivo, que remete a aplicação de multas e autuações contra empreendimentos que supostamente estejam cometendo irregularidades ambientais à aprovação de um superior. No começo de setembro, auditores participaram de audiência para tratar do tema. O decreto também é questionado pelo Ministério Público de Contas, que recentemente pediu ao Tribunal de Contas do DF que apure o caso.
Notificações
O imbróglio envolve notificações feitas pelo Ibram contra a Associação dos Pilotos de Ultraleve de Brasília (Apub), instalada dentro do Parque Burle Marx, e as obras no Deck Sul, às margens do Lago Paranoá. Elas tiveram expedições de multas e até interdições canceladas por atos da presidente do órgão.
O caso de maior conflito é a manutenção da Apub (foto em destaque) dentro do Parque Burle Marx, que havia sido notificada para sair em 30 dias pela própria presidente do Ibram, no dia 16 de abril, em ato que anulou a licença ambiental da entidade, conforme determinou a Justiça. A ação pedia a desativação da pista de pouso e decolagem e os hangares, por estarem degradando o meio ambiente.
A determinação não foi cumprida no prazo estipulado. A associação foi multada em R$ 36 mil e as instalações foram interditadas. A Apub ainda foi notificada pela presença de um tanque de combustível, sem licença para estar no local.
Interferência
A ação contra a permanência da Apub no Parque Burle Marx chegou ao governador, que, segundo a presidente Jane Vilas Bôas, a convidou para uma audiência pedida pelos pilotos. A presidente do Ibram disse no MPDFT que, após o encontro, foi ampliado o prazo de permanência da associação por mais três anos no local.
Em seu depoimento ao MP, Jane informou que, “após reuniões com integrantes da associação, uma delas inclusive com a participação do Governo do Distrito Federal, chegou-se ao consenso de que a saída seria pacífica dentro de um cronograma a ser apresentado pela Associação.”
Jane negou que, ao apontar o encontro com o governador, tenha afirmado que ele teria interferido na decisão de manter a Apub dentro do parque e que ela foi apenas convidada para a audiência no Buriti. “Eu não citei o governador em si. Depois no depoimento, minha declaração foi retificada. Ele recebeu uma comitiva e eu acompanhei a reunião a pedido dele”, afirmou Jane, que justificou sua decisão: “Iríamos fazer a retirada da pista, mas estamos criando um conselho para elaborar uma minuta de necessidades do parque e depois criarmos um projeto básico. Como a forma de utilizar o parque estava sob consulta, não poderíamos fazer a retirada”.
A presidente do Ibram disse ter firmado com a Apub um Termo de Compromisso (TC) para que a associação apresente, em 120 dias, um cronograma de retirada da estrutura do local e dos ultraleves. Ainda assim, a decisão está sendo questionada, por conta da ampliação do prazo de permanência dos pilotos no local por mais três anos. A medida acabou sendo suspensa pela Justiça, que analisa a interferência da presidente do Ibram na ação dos auditores.
O Ministério Público também questiona a “desobediência” por parte do GDF e enviou questionamento sobre o porquê de a determinação jurídica de retirada não ter sido cumprida.
A participação de Rollemberg também foi questionada pelo MPDFT, que requisitou informações ao governador em prazo de 10 dias, contados do dia 6 de junho. A assessoria de Rollemberg respondeu, em nota, que “o governador é mencionado apenas como um dos participantes de uma das diversas reuniões da Apub com o Ibram”. A nota diz ainda que, durante a reunião, o governador falou sobre a necessidade da associação sair do local, mas que nada foi resolvido no encontro.
Deck Sul
Anunciado com pompa pelo GDF, o Deck Sul também está na disputa de forças entre os auditores do Ibram e a presidente do órgão. Um estudo de impacto ambiental para a instalação do Deck foi iniciado ainda em 2009 e estabeleceu 24 condicionantes para que obra fosse adiante. A licença venceu em dezembro de 2015. A construção começou exatamente no mesmo mês.
Em maio deste ano, foi embargada por auditores do próprio Ibram, que constataram que as condicionantes não estavam sendo cumpridas. A ação dos servidores foi anulada pela presidente do Instituto, que expediu uma dispensa de licenciamento ambiental. O documento libera a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) de cumprir as medidas e, com isso, as obras foram retomadas.
Os auditores afirmam que a vegetação às margens do Lago Paranoá tem sido retirada de forma irregular e que nas condicionantes eram um dos requisitos para que a obra fosse autorizada. Uma reposição da flora local também não foi definida.
A obra também está sendo questionada pelo MPDFT, que quer saber os motivos que levaram a dispensa de licenciamento ambiental pelo Ibram, mesmo após o próprio órgão, por meio de seus auditores, terem constatado as irregularidades, além da anulação do auto de infração ambiental dado expedido pelos servidores.
Na quinta-feira (8/9), a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente (Prodema) expediu recomendação para que, em cinco dias, o Ibram interdite a construção do Deck Sul até que todas as irregularidades sejam reparadas. O empreendimento, de responsabilidade da Novacap está em Área de Preservação Permanente (APP), “em absoluto desrespeito ao comando da sentença transitada em julgado que determinou a desocupação da Orla do Lago”, segundo frisa o MP.
Troca de acusações
Simpatizantes da presidente do Ibram, Jane Vilas Bôas, saíram em defesa da chefe do órgão. Para eles, as denúncias de ingerência contra a indicada da Rede Sustentabilidade se trata de uma tentativa de causar uma motivação para que os servidores sejam transferidos para a Agefis.
“Eles querem sair para a Agefis, mas não podem porque a lei diz que por se tratar de um órgão que expede liberações, o Ibram também tem que ser o órgão que fiscaliza”, explicou o servidor do alto-escalão do Instituto.
A presidente do Ibram não quis falar sobre o assunto, mas afirmou que os servidores que dão a autorização para as obras são os que julgam se elas podem ou não continuar e que o ato causa insegurança jurídica, quando ocorrem as interdições.
O vice-presidente da Associação dos Fiscais de Controle Ambiental (Aficam-DF), Waltrecy dos Santos Júnior, afirma que “as conversas com a presidente da Agefis, Bruna Pinheiro, estão paradas”, mas admite que havia a intenção dos servidores de irem para a agência e que o motivo seria a forma como a presidente do Ibram conduz o órgão.
“Queríamos sair por conta da má-administração da presidente Jane, que tem até atrapalhado as nossas ações, mas isso é um assunto encerrado. Ela faz uma péssima gestão, que chega à irregularidade. O trabalho feito pela Rede, no Ibram, não supre as necessidades da sociedade, porque para qualquer empreendimento do tipo (dos citados) são necessárias licenças ambientais”, acusa o vice-presidente da Aficam, Waltercy Júnior.
Waltercy conta que a situação da entidade como um todo está bastante deteriorada. Recentemente, até mesmo os blocos usados para fazer os autos de infração estão em falta. “Nós estamos avisando há mais de mês que vai acabar e não tomam providências. Sem esses blocos, é impossível trabalhar”, relatou. Segundo ele, o material deve terminar em semanas. “Sem isso não tem como trabalhar”.
Colaborou Guilherme Walterberg