Luana é a filha de um grande empresário do setor imobiliário. Tem dinheiro, muito, e é rebelde. Está contente, se sente quase vingada de o candidato do Partido da Opção Popular ter chegado ao poder para, finalmente, permitir a ascensão do proletariado. Luana é rebelde e rompe com o pai, um milionário que ficou de fora do caixa dois de campanha do candidato eleito, mesmo quando percebeu que ele já havia ganhado a eleição. Com essa trama tem início O império do oprimido, sétimo livro do escritor e jornalista carioca Guilherme Fiúza, um trilher cujo pano de fundo é a política brasileira contemporânea.
Autor de Meu nome não é Johnny, adaptado para o cinema por Mauro Lima e com Selton Mello no papel principal, Fiúza apostou na política no novo romance porque acredita que o tema é pouco explorado e mal compreendido na cultura brasileira.
“Minha impressão é de que a compreensão geral da política, não só pela literatura, é rasa. Vivemos um jardim de infância filosófico, ou pelo menos ideológico”, diz. “Para as artes, política quase sempre é corrupção, imundície – anistiando os maiores responsáveis pelo flagelo, que são a opinião pública e o senso comum. O povo é sempre inocente. Parece difícil, por aqui, retratar a política sem falar de Getulio Vargas, luta armada, Corte portuguesa e mais meia dúzia de clichês históricos. Estamos enguiçados nessas dicotomias.
O império do oprimido é um livro de diálogos e personagens que mais lembram caricaturas. A filha do empresário rico é uma delas, mas há muitas outras, como a deputada Maria Rosa, mais preocupada em abrir um Romané Conti na primeira reunião presidencial do que em estabelecer uma agenda de governo, ou Luizinho Sete-Quedas, o articulador que conecta doleiros, caça-níqueis, loterias e prefeituras para melhor lavar o dinheiro obtido aqui e ali, e ainda o próprio Guia, ou presidente, cujo passado de caminhoneiro sugere conexão óbvia com figuras da história recente do país.
O autor admite que o romance é uma paródia: seus personagens correspondem a figuras reais, embora reconhecê-las não seja essencial para a trama. O romance tem ritmo de roteiro, um traço frequente na escrita de Fiúza e uma consequência de como o autor trabalha.
Antes de escrever, ele tem o hábito de roteirizar as narrativas. O império do oprimido começou a tomar forma há três anos, a pedido da Editora Planeta, que encomendou um livro sobre a política brasileira recente. “Eu já tinha a ideia da saga da Luana, a caçadora de utopias, que seria uma espécie de refugiada da burguesia no mundo politicamente correto. Era uma ideia para longa-metragem, e a proposta da editora me levou a desenvolvê-la como livro. Foi interessante porque os produtores que farão a adaptação para cinema e TV puderam ler um romance em vez de um argumento”, avisa Fiúza.
Três perguntas
Guilherme Fiúza
Sobre o romance, o que te motivou a criar personagens como Luana e Bob?
Luana é a caricatura da repressão burguesa – o lado negativo do que se chama de conservadorismo. É a filha rica que tem tudo, mas não sabe de si. Quando rompe com a família e foge em busca da vida real, ela é um olhar virgem para as ideologias progressistas. Estamos na era da falsidade ideológica (ao pé da letra) e eu quis mostrar o quanto certas ilusões de esquerda são dependentes, justamente, dessa burguesia mimada. Mas isso foi só o pretexto para montar a novela.
Por que escrever O império do oprimido?
O livro nasce da observação da Era Lula, e o paradoxo do título expressa esse “coitadismo” como projeto de poder. Ao mesmo tempo são personagens que poderiam estar em outro lugar, outro tempo. Já tive respostas de leitores que riram muito. No fundo toda história é um pretexto para entrar na comédia humana – que é dramática e nunca nos deixa decifrá-la completamente. Espelharmos o que se passa no país no século 21, como procurei fazer, talvez possa ajudar a nos libertar dos debates colegiais sobre direita x esquerda e o universo de valores em geral.
Há correspondências entre os personagens do livro e figuras reais?
Sim. O livro é repleto de paródias de personagens da atualidade e da história recente. Nenhuma correspondência entre as figuras ficcionais e reais é total, fiz uma fusão de características. Minha história não depende dessas paródias, mas a conjuntura nacional tem sido tão rica em personagens hipócritas que eu não quis desperdiçar o material.
O império do oprimido
De Guilherme Fiúza.
Editora Planeta, 352
páginas. R$ 44,90