Por Marília Marques, G1 DF
Em contraste com a arquitetura moderna de Brasília, uma comunidade indígena resiste na área mais nobre da capital federal, localizada a 11 quilômetros do Congresso Nacional. Ao todo, 55 famílias se dividem em uma área de 35 hectares. O impasse pelo direito à terra entre povos tradicionais e o governo de Brasília completa nove anos neste mês.
O conflito começou em 2008, quando lotes do setor Noroeste começaram a ser vendidos. À época, os índios da etnia Fulniô-Tapuya alegavam que a área seria um santuário ou um cemitério indígena antes da construção de Brasília e que, por isso, teria valor sagrado.
No local, a reportagem foi recebida pelo cacique Francisco Guajajara. A liderança relata “falta de diálogo” na negociação com o GDF e diz que a totalidade dos índios “não foi ouvida” no acordo firmado entre a Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) e a Funai, em 2014.
“Somos os primeiros habitantes do Brasil, mas hoje estamos sofrendo pelo massacre e invasão de prédios em cima da gente. Só estamos defendendo o que é nosso direito.”
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O acordo – publicado em 7 de outubro de 2014 no Diário Oficial do DF – concederia 22 hectares de terras públicas às famílias indígenas, mas em um outro local. Três anos depois, a área não foi entregue. Por meio de nota , a Terracap informa que, apesar da celebração do acordo, o órgão ambiental (ICMBio) “não autorizou as obras”.
“A Terracap já tem um novo local para a construção, já apresentou aos indígenas e está aguardando a análise por parte da Funai de uma área de, aproximadamente, 22 hectares.”
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O G1 questionou à Terracap por que a terra já ocupada pelos índios – desde 1971, segundo o Ministério Público Federal (MPF) – não poderia ser apenas reconhecida como oficial. Por telefone, a Terracap diz que a área contestada pelo grupo “incide sobre o projeto de construção de novas quadras no Noroeste”. A região é considerada o metro quadrado mais caro de Brasília (R$ 9,4 mil).
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – órgão federal responsável por conceder a autorização – comentou o motivo da negativa. Em resposta, o ICMBio disse que “o projeto em questão previa o uso direto de recursos (água) de dentro da unidade de conservação” e, por isso, se manifestou “contrário a realocação dos indígenas” na região próxima ao Parque Nacional de Brasília.
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Vida na aldeia urbana
Pelo menos 150 indígenas vivem na área conhecida como Fazenda Bananal e no Santuário dos Pajés. Este território é considerado sagrado pelo grupo porque, além do cemitério ancestral, também abriga um templo dedicado ao culto de Tupã, divindade indígena.
A cacique da aldeia Tekohaw Márcia Guajajara, 40 anos, vive há 21 anos no local. Ela veio do Maranhão acompanhada do marido – fundador do santuário. A líder diz que a comunidade defende a ocupação de 35 hectares da terra e afirma que o local “é sagrado” e, por isso, “não há possibilidade de trocas”.
“A terra pra gente é como se fosse nossa segunda mãe: a gente não troca e não vende. É mais sagrada que qualquer saco de dinheiro.”
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As casas construídas na aldeia se dividem entre alvenaria e taipa. O acesso é a partir da quadra 108 do Noroeste ou pela DF-003. No local há também a estrutura de uma escola indígena, desativada há um ano, onde as crianças aprendiam o tupi. Parte do grupo se comunica na língua tradicional, sendo que as crianças – matriculadas na escola regular – dominam também o português.
Seguindo a tradição indígena, o trabalho é dividido entre homens e mulheres. Em sua maioria, eles atuam na agricultura de subsistência, e elas, na confecção e venda de artesanatos. Há também muitos jovens na aldeia, que se dizem orgulhosos da tradição, felizes pelo local onde vivem e na expectativa para realização das próximas provas do Enem.
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Sobre a relação com os outros moradores do setor Noroeste, os indígenas dizem sofrer discriminação. “Alguns deles acham que nós somos invasores. Mas quando chegamos aqui, não tinha ninguém”.
O que diz o Ministério Público
O G1 teve acesso, com exclusividade, a um parecer do Ministério Público Federal que trata do impasse territorial entre o GDF e indígenas. No documento, o MPF acusa a Fundação Nacional do Índio (Funai) de “omissão” no processo de regularização das terras, “mesmo diante da existência de indícios suficientes […] ao procedimento de identificação e demarcação das terras”.
No entendimento do MPF, basta a “natureza declaratória” para embasar as demarcações de terras indígenas. O órgão diz, ainda, que o direito desses povos às terras tradicionais é garantido pela Constituição Federal.
“O Santuário dos Pajés, é de fato, terra de ocupação tradicional indígena. […] Logo, a reivindicação apresentada pela comunidade é pertinente do ponto de vista dos direitos dos povos originários no Brasil.”
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Por meio de nota, a Funai reconhece que o território em questão é utilizado pelos povos para “realização de rituais e manutenção de sua cultura”, mas não comenta sobre o caráter sagrado do local. De acordo com o órgão, 6.128 indígenas de diversas etnias moram no Distrito Federal.