Há 20 anos, vigora na Assembleia Legislativa de São Paulo um acordo velado no qual tucanos ficam com a presidência da Casa e petistas, com a 1ª secretaria
Cristyan Costa
A eleição para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) será nesta sexta-feira, 15, dia em que os deputados eleitos no último outubro tomam posse. Embora tenha nome, aparência e até seja tratada por alguns deputados como uma disputa de verdade, é mais do que previsível a permanência de um parlamentar do PSDB na presidência e a entrega da 1ª secretaria ao candidato do PT.
Assim tem sido desde 1999, quando passou a vigorar um acordo velado entre as duas maiores bancadas da Casa ─ a exceção foi um curto período de dois anos, entre 2005 e 2007, quando Rodrigo Garcia, do DEM, ocupou o cargo que nos 18 anos restantes foi privativo dos tucanos.
“Não existe eleição lá dentro”, resumiu Janaina Paschoal (PSL) durante uma entrevista ao programa Perguntar não Ofende, da rádio Jovem Pan. “Há um acordo prévio entre o PT e o PSDB: um partido fica com a presidência e o outro com a primeira secretaria”. Deputada estadual mais votada da história do país, Janaina lançou-se no começo do ano candidata à presidência da Alesp. “Quero ver como eles vão se justificar para a população se tiverem coragem de declarar apoio um no outro”.
A leitura das atas das sessões plenárias mostra que isso nunca foi motivo de constrangimento. Na campanha de 2006 para o governo do estado, por exemplo, durante um debate na Rede Globo, Aloizio Mercadante (PT) chegou a mencionar um dossiê que comprometeria os tucanos e José Serra o acusou de forjar o documento. Sete meses depois, durante a eleição para a diretoria da Alesp, os dois partidos afagavam-se com frases nada beligerantes. “A bancada do PT indica o voto e vota no candidato a presidente Vaz de Lima”, recitou o líder Enio Tatto, ao formalizar o apoio ao candidato tucano, que acabou eleito com 90 votos. “Este deputado vota no deputado Donisete Braga”, afirmou Vaz de Lima em seguida, garantindo a vitória do petista escolhido para a 1ª secretaria. Ele chegou lá com 88 votos.
O teatro se repetiu nas eleições seguintes. Em 2010, Mercadante qualificou de mentirosa a propaganda eleitoral tucana durante um debate na TV Record. “É fácil colocar um ator para criticar o PT, mas é muito melhor e mais verdadeiro vir aqui e sustentar o que se disse no programa”, acusou. Na réplica, Alckmin retrucou dizendo que o adversário não merecia governar São Paulo por ter faltado a sessões do Senado em que foram votados projetos importantes para o estado.
Meses depois, representantes de três partidos disputaram a presidência da Alesp. Barros Munhoz, do PSDB, foi eleito com 92 votos ─ incluindo os 21 votos da bancada petista. Os concorrentes Olímpio Gomes (PDT) e Carlos Giannazi (Psol) receberam um voto cada. “Quero fazer um agradecimento especial ao PT”, discursou Munhoz. “É um partido que tem atuado de forma combativa e leal nesta Assembleia”. Depois de se referir ao petista Rui Falcão ─ que em seguida seria eleito para a 1ª secretaria ─ como “figura maiúscula”, o tucano fez a pergunta que qualquer eleitor minimamente informado teria feito: “Como, o PSDB está unido ao PT e o PT está unido ao PSDB?”. Ele próprio respondeu: “Isso acontece em todos os parlamentos democráticos dos países mais desenvolvidos do mundo. É um sinal de maturidade política”.
Nas eleições desta sexta, quatro deputados deverão candidatar-se à presidência. Além de Janaína, prometem estar no páreo Cauê Macris (PSDB), Daniel José (Novo) e Mônica Seixas (PSOL). Segundo aliados, Macris, o atual presidente, conta com 70 votos ─ 22 a mais que os 48 necessários para garantir o triunfo. O petista Enio Tatto, que disputará a 1ª secretaria, até agora tem como concorrente apenas um colega do PSL, que decidiu lançar candidatos para os nove cargos que compõem a mesa diretora.
A ideia de Janaína Paschoal e outros candidatos recém-eleitos é denunciar a existência desta aliança, e colocar sob suspeita outros acertos promovidos reiteradamente na Alesp. As atribuições do presidente da Casa incluem priorizar as pautas que serão votadas, engavetar projetos, suspender e encerrar as sessões plenárias, conceder a palavra aos deputados, formular projetos de lei fixando a remuneração do governador, secretários de estado, parlamentares etc., criar ou extinguir cargos e funções, entre outros poderes.
Já o 1º secretário é uma espécie de administrador daquele universo, que hoje emprega 3.765 funcionários, número suficiente para eleger o prefeito de uma cidade de pequeno porte – em Murutinga do Sul, no interior de São Paulo, por exemplo, o prefeito Gilson Pimentel (PSDB) foi eleito em 2016 com 1.628 votos. Só com o salário dos deputados, hoje em R$ 25.322,25, e os R$ 160.388,87 que cada um dos 94 parlamentares pode usar para a contratação de até 32 assessores, a Alesp gasta quase R$ 17,5 milhões. São mais de R$ 209 milhões por ano. Orçamento muito superior ao de Murutinga do Sul.
Fonte Veja