Arrumar a cama, calçar um sapato, limpar a casa e passar um café. Simples tarefas cotidianas, mas que precisam ser reaprendidas por quem sofreu amputações ou sequelas por doença ou acidente.
A vida de uma pessoa que ficou cega ou em uma cadeira de rodas, por exemplo, passa pela readaptação de toda a rotina, pois a mobilidade ficou reduzida.
Para treinar os movimentos e recuperar a autonomia nas atividades do dia a dia, o Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), mantido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), oferece ajuda.
A unidade montou um apartamento, com sala, cozinha, quarto e banheiro, simulando uma casa de verdade, com móveis, eletrodomésticos e utensílios de cozinha para que os pacientes possam aprender os novos movimentos com fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.
Por causa da diabete, Douglas Medela, 50 anos, perdeu parte de uma das pernas e a visão. A amputação tem dois anos, mas ele ainda está se acostumando.
“Quando eu uso o açúcar [adoçante], eu peço [ajuda] à minha esposa, cinco gotinhas, vou pingando e ela conta”, disse. Incentivado pela terapeuta, Medela diz que é capaz de fazer e de servir seu próprio café, algo que aprendeu a fazer na unidade.
“Quando estou em casa, vou pela audição e, para não encher, ponho a pontinha do dedo [dentro da xícara]”, disse o motorista aposentado
Na cadeira de rodas, Lázara Alves Gomes, de 75 anos, está há mais tempo em tratamento e consegue arrumar a cama tão rápido que a fotógrafa pede para ela repetir a ação antes de fotografar. Ela faz a própria cama, em casa, de casal, cozinha, varre quintal e lava roupa.
“A Marilda [a terapeuta] me ensinou tudo. Desde o primeiro dia, desde sentar e sair da cadeira. A única coisa que eu não consigo é a cadeira de assento, esta, meu marido empurra comigo sentada para o banheiro”, disse.
De acordo com paciente
A coordenadora do espaço, chamado de Laboratório da Vida Diária, Martha Lucas, explica que o treinamento varia de acordo com o paciente. Pode começar ensinando a sentar e a levantar, a colocar o cadarço, se abaixar para arrumar um armário e até cozinhar.
Ela tem ajuda de equipamentos adaptados, como tábua que tem dois pregos para segurar e facilitar o corte de legumes, facas com cabos estendidos, mas, em geral, ensina os pacientes e usar o que eles têm, sem precisar comprar nada ou fazer reformas.
“As pessoas que vêm, em geral, não têm condições de reformar a própria casa ou pagar cuidadores. O que querem é autonomia, muitos até moram sozinhos, e precisam recuperar a auto-estima depois de um trauma”, disse.
Martha explicou que o laboratório, que funciona a partir de produtos doados pelo Instituto Marsan, faz parte da terapia ocupacional no Into. Antes, era feita apenas a simulação.
“Não tínhamos condições de oferecer um alimento para que ele realmente descascasse, cortasse, vivenciasse da mesma forma que em casa. Hoje, com esse espaço, fazemos a realidade. Se o paciente chegar e dizer que não consegue descascar uma batata, teremos a faca, a mesa e vamos ver a melhor forma para que ele descasque, corte e cozinhe a batata”.
Edileuza dos Santos Barbosa, de 58 anos, reaprendeu a passar roupa no laboratório. Depois de ter sofrido um atropelamento que lhe custou parte do joelho há dez meses, ela já se equilibra com um pé na frente e outro atrás.
Em casa, diz que consegue fazer tudo sozinha e que agora só pensa no dia em que poderá ir à praia. “Ainda não fui, depois da batida, fico pensando como eu vou reagir sem um pedaço na perna, para me equilibrar na água, mas é só isso”, brincou.