Havia tempos não se via tanta empolgação com a política no Irã. A televisão exibia intensos debates, os jornais traziam opiniões veementes, e discussões acaloradas tomavam ruas e blogs na internet. Todos aguardavam ansiosos o dia 21 de maio, quando o Conselho de Guardiães, formado por seis clérigos e seis juristas, anunciaria sua lista de candidatos a presidente aprovados. Os mais empolgados defendiam a candidatura de Akbar Hashemi Rafsanjani, um pragmático ex-presidente, ou de Esfandiar Rahim Mashaei, protegido do atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad. O Conselho não deu ouvidos. Vetou ambos para a eleição desta sexta-feira (14).
Por trás do veto, está o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Khamenei mostrou saber usar a autoridade e as prerrogativas do Conselho de Guardiães, um de seus principais instrumentos de exercício de poder. O órgão analisou 686 candidaturas, a maioria de cidadãos comuns em busca de notoriedade. Ao final do processo, divulgou uma lista de oito aprovados, que inclui seis conservadores alinhados com Khamenei. Ao lado do grupo, apenas dois reformistas, de pouco apelo popular.
A decisão do Conselho mostra que Khamenei decidiu reafirmar sua autoridade. Depois de 24 anos à frente da República Islâmica do Irã, ele age como um monarca em defesa de seu reinado. Aos 74 anos, talvez ainda tenha uma década antes de dar lugar a um sucessor. Ele parece esperar, para o período, nada menos que obediência total. Alguns veem nisso um sinal de que em suas mãos ainda está o rumo da revolução de 1979. Outros sabem que ações centralizadoras são típicas de quem teme ver o poder escorrer pelas mãos.
A teocracia iraniana mescla características democráticas, como Parlamento e eleições, a princípios do islamismo. Na prática, o poder religioso do líder supremo dá a palavra final sobre questões nacionais. Sua interferência aberta no processo eleitoral, no entanto, é inédita. “Khamenei está tentando controlar todos os aspectos da vida política no Irã”, diz o iraniano Mehdi Khalaji, cientista político do Washington Institute. “Ele teme um enfraquecimento do regime clerical.” Khamenei quer evitar cenas como as de 2009, quando dois reformistas, Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi, concorriam à Presidência. Foram derrotados por Ahmadinejad, e milhares protestaram em Teerã contra o resultado. O regime reprimiu as manifestações e pôs os líderes do Movimento Verde, cor da campanha de Mousavi, em prisão domiciliar.
Nos anos seguintes, Khamenei foi picado pela cobra que criou. Ahmadinejad, visto no Ocidente como determinante para os destinos do Irã, mostrou ter um projeto político ambicioso – e incômodo aos líderes religiosos. Sua visão de Estado é inspirada no populismo latino-americano, com uma agenda nacionalista. Ele se indispôs com o regime, ao contestar publicamente decisões de Khamenei e lançar a candidatura de Esfandiar Mashaei, seu braço direito, de 53 anos. “Os clérigos não gostam do tom messiânico dos dois e de sua contestação do papel da religião no Estado”, afirma o iraniano Vali Nasr, autor do livro The shia revival (O ressurgimento do xiismo).
O veto à candidatura de Mashaei era esperado. A surpresa foram as portas fechadas para o ex-presidente Rafsanjani. Presidente de 1989 a 1997, ele era um dos clérigos mais próximos ao aiatolá Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica. Nos últimos anos, moveu-se mais ao centro e, em 2009, apoiou os protestos do Movimento Verde. O veto a ele foi considerado um exagero. “Isso compromete ainda mais a credibilidade do sistema eleitoral no Irã”, afirmou Zahra Mostafavi Khomeini, filha do aiatolá Khomeini. “É uma intransigência capaz de minar o regime.” O jornalista iraniano Hooman Majd afirma que Khamenei se sentiu obrigado a interferir, por não ter conseguido gerenciar as crises internas sem estardalhaço. “É um sinal de força do regime, mas também de que eles estão apreensivos e temem turbulências sociais.”
Vitorioso nas aventuras americanas no Iraque e no Afeganistão, com a saída dos inimigos Saddam Hussein e Taleban do poder, o regime xiita sente-se ameaçado pelos levantes sunitas da Primavera Árabe. Seu maior aliado, o ditador Bashar al-Assad, da Síria, enfrenta uma sangrenta guerra civil. As duras sanções internacionais, devidas ao programa nuclear iraniano, agravaram a crise econômica. A inflação atingiu 50%. Ainda imbatível, Khamenei sabe que o futuro é incerto. Ao reafirmar sua autoridade, ele intimida e provoca seus inimigos – internos e externos.