Quem já aprendeu outra língua sabe: aprender a falar um idioma não é só uma questão de vocabulário e gramática, mas também de cultura. Com Alexa, a assistente de voz da Amazon que chega nesta semana ao Brasil, não foi diferente: para funcionar por aqui, o sistema de inteligência artificial da empresa de Jeff Bezos precisou passar por um processo de ‘abrasileiramento’.
Isso significa que não apenas ela precisou aprender as várias formas e sotaques de como os brasileiros falam, mas também referências culturais e conhecimento local – e até mesmo reaprender a falar o inglês.
“Tivemos que criar uma ‘nova língua’ para lidar com palavras em inglês que são pronunciadas em português”, diz Ricardo Garrido, gerente geral da Amazon para Alexa no Brasil. Quer um exemplo? A Alexa brasileira fala ‘aéroismiti’ e não ‘érousmith’ quando se refere à banda Aerosmith. Ou ainda “ismartifone” em vez de “smártfoun” para falar sobre os smartphones.
Além disso, o novo sistema precisou ser treinado para lidar com a flexibilidade sintática do português, que permite diferentes construções para a mesma frase, e com a ambiguidade de certas palavras, como São Paulo. O trabalho de adequação começou em dezembro de 2018, sendo feito por clientes e funcionários da empresa em diferentes regiões do País, de Manaus a Porto Alegre.
Assim, o sistema foi alimentado pelas interações e aprendeu as características linguísticas e culturais do novo mercado. Para estimular as interações, a assistente é capaz de fazer piadas e responder a comandos que não fazem sentido em lugar nenhum.
“Alexa, suave na nave?”, perguntou Garrido na demonstração da assistente à qual o ‘Estado’ pôde participar. “De boa na lagoa”, respondeu prontamente a assistente. O sistema foi ajustado também para ser neutro quando se trata de futebol – apesar de saber cantar os hinos de vários clubes do Campeonato Brasileiro, a assistente de voz diz que ‘torce para o Brasil’.
Outra funcionalidade serão as parcerias: por meio de apps de terceiros, a assistente também executará ações em apps populares do País. Será possível pedir comida pelo iFood, chamar carros do Uber e realizar transações em grandes bancos brasileiros, como Bradesco e Itaú.
Privacidade de áudios de usuários pode ser preocupação
No entanto, a chegada da Alexa traz também preocupações sobre privacidade – afinal, quem comprar um Amazon Echo, por exemplo, vai colocar sete microfones dentro de sua própria casa. Em abril, a Amazon foi acusada de ter funcionários que escutavam áudios captados pela Alexa. Em seguida, casos do tipo envolvendo Apple, Google, Facebook e Microsoft também vieram a público.
Na indústria, o papel de humanos para treinar máquinas a conversar é amplamente conhecido – são eles que transcrevem áudio e indicam ao sistema se a máquina está entendendo corretamente as informações. Ao ‘Estado’, Ricardo Garrido confirmou que pessoas fluentes em português do Brasil ouvirão frações dos áudios dos usuários para melhorar a performance do sistema.
“É menos de 1% das interações. Esses áudios podem, por exemplo, ser fragmentados em 100 pedaços e cada um desses pedaços pode ser escutado por um funcionário diferente”, diz. “Toda informação é anônima. Não é possível identificar o usuário.”.
O executivo não revelou o tamanho da equipe envolvida no processo e nem se ela está localizada no Brasil.
A companhia diz também que os usuários podem ver e apagar suas gravações associadas às suas contas no app da Alexa para smartphone. Os áudios também podem ser apagados por comando de voz.
Na semana passada, a empresa anunciou que em breve os usuários também poderão pedir por comando de voz explicações para as respostas da assistente ou pedir para que ela repita o que ela acabou de captar. No anúncio, a companhia disse que também será possível apagar automaticamente os áudios dos últimos três meses ou 18 meses.
“Há uma preocupação com privacidade e coleta massiva de dados. Quanto mais ‘brasileira’ a Alexa ficar, mais ela saberá também como o brasileiro gosta de consumir”, diz Renato Franzin, professor da USP.