O senador cassado obtém na Justiça o direito de reduzir a pena a partir dos livros que leu na cadeia, mas o benefício só será estendido para os 15,4 mil detentos do Distrito Federal a partir de junho
Graças à leitura de obras de escritores como Machado de Assis, o empresário Luiz Estevão, condenado a 26 anos de cadeia, reduzirá o tempo atrás das grades. Nenhum preso do sistema penitenciário do Distrito Federal tem hoje direito a esse benefício, não regulamentado em Brasília. Mesmo assim, os desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) decidiram, na última segunda-feira, assegurar a diminuição de pena ao ex-senador. O critério recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça é a redução de quatro dias para cada livro comprovadamente lido pelo preso, até o máximo de 12 obras por ano. Com isso, é possível abreviar o tempo no cárcere em até 48 dias a cada ano. A partir da regulamentação do benefício autorizado a Luiz Estevão, a tendência é de que haja a liberação da benesse a outros presos.
Desde 2016, Luiz Estevão tentava conseguir o benefício na Vara de Execuções Penais. Ele recorreu, então, à segunda instância. No fim de 2016, a 1ª Turma Criminal manteve o entendimento da Vara de Execuções Penais de que Estevão não atendia aos critérios para a concessão. A defesa do senador cassado recorreu à Câmara Criminal, que, por maioria de votos, decidiu conceder a remição de pena ao empresário. Após a publicação do acórdão, a Vara de Execuções Penais terá de definir os detalhes da implementação do benefício e a possível extensão a outros detentos do Distrito Federal.
Até então, o entendimento do TJDFT era de que a redução para Luiz Estevão representaria um “um privilégio, uma ofensa ao princípio da isonomia”. Em uma das decisões que proferiu sobre o assunto, a juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, argumentou que as resenhas apresentadas pela defesa à VEP “não atendiam, ainda que minimamente, aos critérios estabelecidos pela portaria que determinou o direito à remição por leitura”.
À época, a juíza destacou as dificuldades em implementar o benefício no sistema penitenciário do DF: “A análise deve ser feita de forma detalhada e responsável, levando em consideração, inclusive, a realidade atual do sistema penitenciário, em especial no que tange à superlotação das unidades prisionais e ao acentuado deficit de servidores nelas lotados. Tais circunstâncias têm gerado dificuldades relativas às atividades mais básicas dos estabelecimentos penais”.
Em uma das decisões da VEP sobre o assunto, fica clara a preocupação com possíveis irregularidades, capazes de desvirtuar a iniciativa. “A elaboração de resenha presencial é necessária para evitar possíveis fraudes. A entrada no sistema prisional de resenhas previamente elaboradas por terceiros não seria difícil, e o instituto perderia a função para a qual foi criado. Poderia transmutar-se em ‘moeda de troca’ nas penitenciárias”, diz um trecho da decisão.
Resenhas
Segundo o advogado de Luiz Estevão, Wilson Sahade, o empresário “leu obras de renome, como Machado de Assis”. “Ele apresentou as resenhas junto com as obras e se colocou à disposição para fazer os relatos pessoalmente, caso houvesse dúvida sobre a autoria”, explica Sahade. Segundo ele, a defesa recorreu à Justiça para garantir a remição de pena pela leitura, porque faltava uma regulamentação pelo poder público.
Condenado a 26 anos de cadeia pelas fraudes na construção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Luiz Estevão teve a punição aumentada em mais dois anos, em abril deste ano. A partir de uma denúncia do Ministério Público Federal de 2003, o senador cassado foi condenado novamente por sonegação fiscal. Entre as ações que ainda tramitam contra o empresário está uma de improbidade administrativa, ajuizada em agosto de 2016. Ele é acusado de pagar por uma reforma em uma das alas da Papuda, onde está preso.
Em nota, a Secretaria de Educação informou que seleciona professores para participar do projeto de remição de pena pela leitura, chamado de “Ler liberta”. A previsão é de que haja a implementação em junho. Em abril, a pasta e a Secretaria de Segurança Pública assinaram uma portaria conjunta para a execução da iniciativa. “Está previsto o atendimento para 10% dos custodiados de cada estabelecimento penal, considerando os níveis de escolaridade. Os critérios estabelecidos seguem o determinado na legislação vigente”, informou a Secretaria de Educação. A lista de 46 obras do projeto traz títulos de autores como Ariano Suassuna, Jorge Amado, Lima Barreto, Clarice Lispector, Liev Tolstoi e Franz Kafka.
O que diz a lei
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