Em todo ano de eleição, a história se repete: os candidatos a um cargo do Executivo — seja ele prefeito, governador ou presidente da República — prometem que, se eleitos, não irão disputar a reeleição. Há quem vá mais longe e prometa que vai propor o fim da possibilidade de reeleição, como fez o presidente Jair Bolsonaro (PL) quando ainda estava em campanha em 2018. Na época, ele disse que proporia um mandato único, começando pelo seu governo.
A reeleição em cargos do Executivo não existia antes da década de 1990. Esse foi um instituto criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por meio da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, que acrescentou ao texto constitucional que “o presidente da República, os governadores de estado e do Distrito Federal, prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos poderiam ser reeleitos para um único período subsequente”.
FHC, próximo de terminar seu primeiro mandato, pensava em se reeleger. E havia uma grande pressão política e da sociedade para que isso ocorresse, já que o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, era o principal opositor ao tucano. O receio era de que, se o petista ganhasse as eleições de 1998, o país mergulharia num caos econômico, estragando o sucesso do Plano Real, que foi essencial para conter a hiperinflação.
Na época, quem ocupava a presidência da Câmara era o então deputado Michel Temer, já no antigo PMDB (hoje MDB). Antes da aprovação da emenda, havia denúncias de venda de votos por parte de deputados — algo que cronicamente se repete no parlamento brasileiro, independente da época. Isso resultou na renúncia de parlamentares, e o governo conseguiu evitar uma CPI.
Com a mudança, passou a ser possível, pela primeira vez desde que o Brasil virou República, a reeleição de um ocupante do Poder Executivo, algo que era expressamente proibido por redações anteriores da Constituição. Hoje, no entanto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, presidente na época, critica a mudança no texto constitucional. Para ele, a instituição da reeleição foi um erro causado pela ingenuidade de imaginar que os presidentes “não farão o impossível para ganhar a reeleição”.
Além de Bolsonaro, outros que ocuparam a presidência desde 1997 falaram contra a reeleição, como foi o caso de Lula, em 2002. Na época, ele defendia que nenhum projeto de sucesso pode ocorrer em quatro anos e, por isso, a solução seria que os sucessores de cargos do Executivo entendessem a necessidade de dar continuidade aos planos de seus antecessores. Quem também falou contra a reeleição, mas não publicamente, foi Dilma Rousseff (PT), que, com apenas sete meses de governo, já dizia a seus aliados e até ao presidente Lula que não pretendia disputar reeleição. Disputou, ganhou e sofreu impeachment.
Desde que o instituto da reeleição foi instaurado, em 1997, o único governo feito sem pensar em reeleição foi o de Michel Temer, que, ao assumir a presidência no lugar de Dilma em 2016, apoiou e realizou reformas impopulares e atuou, segundo analistas, sem pensar exatamente em manter sua popularidade alta. Ele não disputou as eleições em 2018.
Para o cientista político Eduardo Grin, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o tema é complexo, porque envolve a natureza humana. “Quanto mais poder, melhor. Nesse sentido, é pouco razoável a gente imaginar que alguém que esteja no poder não deseje disputar reeleição. O famoso cientista político Anthony Downs [também conhecido por suas contribuições à economia] dizia que a primeira coisa que um eleito faz é pensar em como vai se reeleger”, explica.
“O que temos que considerar primeiro é separar as coisas, cargos executivos e legislativos. Em vários países, a permanência no cargo por mais de um período não é necessariamente danosa, pode ser virtuosa à medida que isso permita resultados mais consistentes ou uma série de medidas que um governo só não conseguiria, acrescenta Grin”.
Para ele, há benefícios no sistema. Um deles é o de permitir que um bom gestor continue no cargo e prossiga com seus programas de governo, se a população estiver satisfeita. Mas o professor acredita que a discussão foi contaminada pelo governo Dilma, que teve dificuldades de se reeleger e, agora, também por Bolsonaro.
“O risco de ter Bolsonaro por mais quatro anos é um desastre. Por isso, é importante separar a regra das pessoas. Parece que aqui no Brasil, dadas as experiências com determinados incumbentes, a gente acaba achando que a solução é impedir a reeleição. Isso pode gerar problemas até piores, com um período maior, porque o gestor pode chutar o balde, como se fosse o último mandato. Se não tem perspectiva de se reeleger, ele pode governar de forma inconsequente”, pontua.
Convergência
A discussão em torno do fim da reeleição em cargos do Executivo une até mesmo parlamentares de espectros políticos opostos. Para parlamentares ouvidos pelo Correio, a discussão é válida, e o modelo ideal é a de um único mandato, que passaria de quatro para cinco anos, sem possibilidade de reeleição. Mas essa discussão teria que ser feita fora de um ano eleitoral, para evitar casuísmo. É o que defende o deputado Filipe Barros (PSL-PR).
“Eu sou favorável ao fim da reeleição. Teríamos, no lugar disso, um mandato de cinco anos. Há uma PEC sobre isso que já foi votada na Câmara na época em que o Eduardo Cunha presidia a Casa, mas ela está parada no Senado. Basta o Senado votar para que seja realidade, mas, para isso, é preciso que haja vontade política por lá”, pontua;
Ele acredita que há um problema crônico hoje no Brasil causado por aqueles que governam pensando em reeleição. “Se nós fossemos constatar a realidade brasileira, na prática o que acontece é isso. Todos os governos, não só federais, mas prefeitos, governadores e o Executivo em geral. Depois que permitiram isso no governo Fernando Henrique Cardoso, o primeiro mandato passou a servir como um palanque, e o que a gente percebe é que eleição acaba sendo algo plebiscitário”, afirma.
O deputado Afonso Florence (PT-BA) também acredita que o modelo de hoje faz com que gestores pensem mais em se manter no cargo a fazer um governo eficiente, mas ele teme que esse debate, feito em período eleitoral, seja fruto de casuísmo.
“Na oportunidade adequada, pode ter mérito. É possível pensarmos em mandatos mais longos sem reeleição. Mas que isso não seja para tentar incidir na vontade popular”, afirma. Florence também defende mudanças nos mandatos de parlamentares. Segundo ele, o PT já discute uma limitação de mandatos seguidos por deputado ou senador. Cada parlamentar, segundo o novo modelo, teria um limite de três mandatos seguidos.
“Eu, por exemplo, estou no terceiro, é possível que eu vá para o quarto, porque nosso mandato é coletivo, tem conselho político, participação de ativistas que atuam na sociedade civil, pessoal da saúde, educação, micro e pequeno empresários. Mas eu teria disponibilidade integral de não ser candidato uma quarta vez. Porque há, no PT, o amadurecimento de que é preciso renovação, não só etária, mas de ideias”, afirma.
Ele acredita, no entanto, que o Congresso não aprovaria um projeto que limitasse os mandatos dos parlamentares, já que esse tema não é de interesse deles. “O ideal seria a sociedade opinar por meio de uma consulta popular”, disse.
Fonte: Correio Braziliense