Apesar da origem carioca, a festa da cidade é hoje repleta de sonoridades, indo do maracatu ao rock, da farra à conscientização política e social
Os primeiros passos do carnaval brasiliense foram dados seguindo a trajetória do Rio de Janeiro. Mas como Brasília é uma cidade que foi moldada por diferentes culturas, a farra do Momo também foi ganhando, ao longo dos anos, outras influências. Do Nordeste vieram ritmos como axé music, maracatu e frevo. As marchinhas, o funk carioca e até o rock também encontraram seu espaço na farra.
A carnavalesca brasiliense Ju Pagul, responsável pela Praça dos Prazeres, que recebe no período momesco 14 blocos de rua, afirma que o carnaval brasiliense tem duas características em destaque. “Essa questão da diversidade aparece tanto na linguagem quanto nas populações minorizadas reivindicando seus locais de espaço através do carnaval. Por outro lado, há a satirização da política, que vem desde o Pacotão e o Galinho de Brasília, com as marchinhas, até o Bloco do Rivotril, que está ligado à reforma psiquiátrica, e o Bora para Cuba, sobre a disputa entre esquerda e direita”, afirma.
A cara do carnaval de Brasília é definida pela diversidade e a irreverência política, destaca a carnavalesca. “Usar a linguagem da cultura popular para falar que a diversidade merece respeito e valor. É a força dos tambores e da brincadeira para enraizar uma consciência política. Algo que acontece em muitos carnavais, mas que vejo com destaque aqui em Brasília”, completa.
Conheça alguns blocos que provam a nossa vocação pela diversidade cultural!
O nordeste é aqui (também)
A rica tradição do Nordeste também tem espaço no carnaval da capital. Seja ao som do frevo ou seja de uma banda de pífanos, o folião brasiliense tem opções para aproveitar a cultura da região durante os dias de festa.
Um dos blocos mais tradicionais da cidade, o Galinho de Brasília surgiu justamente porque amigos que costumavam brincar o carnaval no Galo da Madrugada, em Recife, não puderam ir. “Como a gente não pôde viajar, fizemos aqui mesmo com aquela ideia”, lembra um dos fundadores do bloco,Sérgio Brasiel. O ano era 1992 e a primeira edição levou cerca de 300 pessoas às ruas.
Desde a criação, o bloco (que levou milhares às ruas nas edições mais recentes) só cresceu, aponta Sérgio. Para ele, a razão disso é que começou a se criar uma cultura de carnaval na cidade. “Foi se formando uma geração que criou gosto pelo carnaval daqui, então começou a ter sempre crescimento”, acredita. Neste ano, o bloco sai, no Setor de Autarquias Sul, nos dias 10 (sábado) e 12 (segunda).
Também é possível curtir o carnaval em Brasília ao som de uma banda de pífanos, tradição nordestina. Essa é a proposta do bloco Ventoinha de Canudo, que faz um bailinho também na sexta-feira (dia 9), no Conjunto Nacional.
O batuque baiano
Dois blocos que integram a liga tradicional têm inspiração no carnaval e no estilo de música da Bahia. São eles: a Baratona e o Raparigueiros, que desfilam juntos há alguns anos no domingo (11) e na terça-feira de carnaval (13). Neste ano, os grupos mudam de lugar e, pela primeira vez, farão o desfile no Eixo Monumental. A concentração será em frente à Torre de TV e os trios seguirão até o Palácio do Buriti.
Criado em 1992, o bloco Raparigueiros aproveitou o auge da música baiana. “Quando o bloco surgiu, com 20 integrantes, foi justamente no momento de eventos como a Micarê Candanga. Todos gostavam da ideia de ir atrás do trio. Lembro-me como se fosse hoje quando nos reunimos em um carnaval no Gilberto Salomão. A partir daí, criamos o bloco”, afirma Wellington de Santana, um dos idealizadores.
Santana afirma que o carnaval de Brasília é bastante democrático. “Posso falar pelo Raparigueiros, que é um carnaval ao estilo da Bahia, com muito axé e o povo correndo atrás do trio elétrico, de forma popular”, define.
Anterior ao Raparigueiros, a Baratona foi fundada em 1976 por foliões que queriam curtir o carnaval indo de bar em bar e desde os anos 1980, com a força da música baiana, a Baratona assumiu a axé music.
Do Brasil à África
A folia brasiliense abre espaço para, de fato, vários ritmos. Mesmo aqueles que não costumam dar as caras durante a Festa do Momo podem ser ouvidos pelas ruas da capital. O Aparelhinho é um dos blocos que promove essa mistura com repertório que vai da música brasileira a ritmos africanos.
“Vamos desde as músicas carnavalescas do Brasil, como samba, frevo, maracatu, até a África, a Jamaica, os Bálcãs, então não tem muita fronteira. É música festeira que deixa a galera empolgadona e com as perninhas doendo no dia seguinte”, reforça Rodrigo Barata, um dos organizadores do bloco que sai desde 2012. Este ano, o Aparelhinho toca na segunda (12) no Setor Comercial Sul.
E, se a ideia é ouvir Mutantes, Tom Zé, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, o Bloco das Divinas Tetas é a grande escolha. Com repertório totalmente focado na música brasileira e cheio de swing, eles tocam no Setor Bancário Sul também na segunda-feira (12).
Respeito ao gênero
A cada carnaval, mais blocos com a diversidade como temática surgem em Brasília. O Bloco das Perseguidas é um deles. O grupo nasceu após um ataque misógino no antigo Balaio Café, na 201 Norte. “O bloco é resultado das manifestações de carnaval do movimento feminista que surgiu no Balaio em 2013. A gente costuma dizer que o bloco foi criado em 2016, mas já sai desde 2013, quando aconteceu o fato”, explica Ju Pagul, organizadora. Neste ano, o grupo sai no sábado (10), às 12h, na Praça dos Prazeres. Com conceitos parecidos surgiram blocos como Essa Boquinha Eu Já Beijei e Tuthankasmona, que unem forças no sábado (10), às 14h, com concentração próximo à Torre de TV.
O novato Tetatronica, que é a atração do Setor Comercial Sul do domingo de carnaval (11), a partir das 15h, foi criado por um coletivo de mesmo nome composto apenas por mulheres. O objetivo é fazer uma folia com um line up 100% composto por mulheres. “A proposta é ter apenas mulheres comandando o som e as artes visuais em clima de carnaval”, conta Rachel Denti, uma das organizadoras.
Na batida do rock!
Ninguém há de negar que a capital federal tem sangue roqueiro. Por isso, era de se esperar que no carnaval brasiliense também não faltasse o som pesado do rock n’ roll. Uma das alternativas para quem curte o estilo é o Eduardo e Mônica. Com título inspirado no clássico da Legião Urbana, o bloco toca canções dos principais grupos de rock da cidade, como Plebe Rube, Capital Inicial e a própria Legião Urbana. Tudo isso misturado ao batuque carnavalesco. “A gente quis trazer uma homenagem ao rock de Brasília e misturar com a energia do carnaval”, conta Marquinho Vital, um dos organizadores do bloco, que este ano toca no SIG, no dia 11.
No ano passado, 8 mil pessoas participaram dos festejos com o Eduardo e Mônica. Para Marquinho, essa foi a prova de que o público da cidade esperava uma iniciativa assim. “A gente teve esse papel de colocar o bloco na rua, mas todo mundo queria isso, um bloco que representasse a nossa música, só não tinha colocado a vontade em prática”, acredita.
Outra opção para os roqueiros é o CarnaRock. O tradicional evento chega à 17ª edição e vai de 8 a 12 de fevereiro com shows que vão do rock nacional ao metal extremo no Poizé Pub (305 Norte).
Fonte: Correio Braziliense Colaborou Ronayre Nunes* (estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira)