Atestados médicos podem ser apenas a fagulha de um esquema de fraude na Secretaria de Saúde. O alto índice de profissionais afastados do trabalho colocou em alerta a Corregedoria da pasta. Entre junho de 2015 e setembro de 2016, 53,7% dos servidores, em algum momento, afastaram-se do trabalho. As informações foram repassadas ao Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), que investiga o caso. Há indícios de que uma parcela dos médicos se ausentam dos afazeres nos hospitais públicos para atuar na rede privada. Assim, recebem os dois salários, mas trabalham efetivamente em apenas um local — normalmente em clínicas particulares ou próprias.
Em um ano e meio, 2.578 médicos pediram afastamento do serviço público. Somente entre julho e setembro deste ano, foram 695 situações — 26,9% do total, uma tendência de aumento da prática. O quadro da Secretaria de Saúde conta com 4,8 mil profissionais. Não é possível afirmar ainda quantos atestados são fraudulentos, mas as investigações identificaram casos específicos de servidores que burlam os plantões. A manobra atrapalha a formação de equipes e o cumprimento das escalas em centros cirúrgicos e emergências, por exemplo. O problema pode se agravar ainda mais: após repetidos atestados, o profissional pode ser aposentado.
As investigações, que o Correio teve acesso com exclusividade, começaram em abril e apontam alguns exemplos de fraude. Uma pediatra, por exemplo, deveria clinicar 60 horas semanais na capital federal, mas mora no Rio de Janeiro. Um casal de cardiologistas que atende no Hospital Regional do Gama (HRG) montou um esquema: quando um tira férias, o outro, no mesmo período, entra com a licença. Um neuropediatra está há mais de 280 dias sem trabalhar na rede pública e, segunda a apuração da Corregedoria, atende regularmente numa clínica em Águas Claras — um dos investigadores chegou a marcar uma consulta com o profissional. Em um ano e meio, um médico apresentou 10 atestados. Outro servidor protocolou, em um ano, teve 23 afastamentos — uma média de quase dois por mês.
Penalidades
Um caso específico chama a atenção para a impunidade. Uma médica que estava afastada havia dois meses, suspendeu o atestado, participou como palestrante em um evento na sede da Secretaria de Saúde, no fim da Asa Norte, e, no outro dia, protocolou novamente o atestado. O corregedor-geral da Saúde, Rogério Batista Seixas, é categórico: é preciso haver uma mudança de comportamento. “Não se trata de uma caça às bruxas. Fizemos o levantamento e constatamos que alguns médicos adotam esse comportamento repetidas vezes. O colega que trabalha com ele e os pacientes estão sendo lesados”, explica.