O mercúrio, metal extremamente tóxico, é uma fonte inesgotável de problemas para os seres vivos. Volátil, o elemento pode contaminar ecossistemas aquáticos e terrestres. Pesado, retirá-lo de qualquer local é tarefa árdua.
Presente no combalido território yanomami em razão do garimpo, que, além de propagar doenças, impossibilita o usufruto de solo e rios para agricultura e pesca por parte dos indígenas, o elemento se espalha pela corrente sanguínea dos seres humanos, causando falência de órgãos e complicações no sistema nervoso central.
Rogério Machado, professor de química e meio ambiente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que o elemento é muito pouco utilizado pelo mundo, a não ser para garimpo. “O mercúrio não é algo natural do Brasil, não há reservas naturais [solo vulcânico] por aqui, as maiores estão na Espanha, que nem explora o elemento. Então por que ele chega até aqui? Simplesmente pela sanha do ouro.”
O professor explica que o metal é importante para a caça a pepitas de ouro por ambos serem vizinhos na tabela periódica. A diferença é de um elétron- partícula presente na estrutura do átomo e que possui carga elétrica negativa. Com essa proximidade, a fusão entre ambos é facilitada.
A esta ligação, se dá o nome de amálgama, produto resistente à oxidação.
Essa reação não é exclusiva do contato do ouro com o mercúrio. Esse último forma a mesma substância com quase todos os demais metais, sendo exceções o ferro e a platina.
No garimpo, a reação que forma a amálgama se torna muito útil. Quando o mercúrio é jogado em uma rocha com pepitas, a transformação é imediata. O mercúrio, em temperatura ambiente um líquido prateado, logo fica fosco, facilitando a busca por ouro.
Encontrados pedaços de rocha com pontos dourados, o garimpeiro os joga numa cumbuca de ferro e, com um maçarico, a esquenta para que o mercúrio seja evaporado e sobrem as pedras preciosas.
“O mercúrio não precisa de muito para evaporar, são pouco mais de 356°C. Quando evapora, é que o perigo surge. As gotículas caem nos rios e solo ao redor, condenando todos esses espaços”, afirma Machado.
Em seu estado metálico, o mercúrio não causa muitos problemas ao organismo humano, afirma o professor. A grande dificuldade está na ingestão de peixes e plantas contaminadas com a substância.
“Quando ele cai na água, se instala no solo e é absorvido por plantas. O que faz a planta com esse metal? Ela o transforma em um composto chamado metilmercúrio, extremamente tóxico para nós por se dar muito bem em nosso organismo. Então, os peixes comem as plantas e isso entra na cadeia alimentar”, diz o professor.
Conrado Borges, neurologista do Hospital Sírio-Libanês, diz haver dois tipos de intoxicação por mercúrio.
“O indivíduo que tem o contato direto com o agente, como o próprio garimpeiro, é acometido por uma intoxicação aguda ao inalar o vapor. Isso causa quadros de inflamação dos pulmões e inchaço, além de problemas no trato digestivo”, explica.
O segundo tipo, chamado de intoxicação crônica, é causado pela ingestão contínua de alimentos contaminados, como peixes e, com menor frequência, plantas. É dele que derivam complicações mais graves.
Através da corrente sanguínea, o mercúrio ataca os órgãos, principalmente os rins, que não consegue filtrá-lo em razão do peso. Em alguns casos, também há atrofia muscular. Depois, ele ataca o sistema nervoso central.
“Os diagnósticos iniciais vão de dor de cabeça leve à insônia. Depois, há coisas bem graves, como perda de memória, comprometimento cognitivo, ansiedade, irritabilidade, depressão e demência”, afirma Borges.
Ele afirma ser difícil tratar a intoxicação. A solução, ainda segundo Borges, seria acabar com a fonte de intoxicação, os peixes e as plantas contaminados, e torcer para que não haja sequelas.
Casos mais graves podem também ser tratados com quelante, substância que retira o mercúrio do corpo através da urina. ” A verdade é que, de qualquer maneira, nunca há certeza de melhora. E aquelas pessoas ainda pode continuar a consumir a fonte do problema. O que elas vão comer no futuro?”, questiona o neurologista.
Thiago Mendes, biólogo especialista em comportamento animal -área que estuda a interação dos seres, incluindo os humanos, com outros organismos e o ambiente físico- diz que o sistema biológico da terra yanomami deve levar entre 20 e 30 anos para ser reequilibrado.