As afirmações do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em entrevista ontem enfureceram o governo e o PT, a ponto de o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se prontificar a responder. “Ele comete um grave equívoco histórico, talvez motivado por uma paixão política que todos os cidadãos podem ter, mas não os juízes no exercício de suas funções”, rebateu Cardozo. O que mais irritou o governo, em especial a presidente Dilma Rousseff e os ministros, foi Mendes dizer que “o uso de recursos de estatais para atividade política não se trata de acidente, mas de um método de governança”
Gilmar Mendes disse também que, na política, vivemos hoje uma hemorragia. Nas duas últimas semanas, ele pediu investigações sobre eventuais irregularidades no financiamento da campanha de Dilma. À reportagem, Mendes traçou um paralelo entre o mensalão e o petrolão. “A rigor, eles são irmãos gêmeos, é claro que o que se percebe no petrolão é que há uma abrangência muito maior.”
Para o governo, entretanto, Mendes ultrapassou todos os limites. “Um governo que tem como método a corrupção não se investiga nem cria mecanismos para essas investigações”, disse Cardozo. “Quem regulamentou as delações premiadas foi o nosso governo. Do governo Lula para cá não nomeamos engavetadores. Antes do governo Lula, tínhamos ausência efetiva de políticas e mecanismos de combate à corrupção, que, no Brasil, não nasceu hoje, é histórica.”
O ministro da Justiça afirmou ainda não se lembrar de um tempo em que o Supremo debatesse tantos casos de corrupção. “E não é que não tenha existido, e sim porque a maioria dos processos nem chegava lá. Eram engavetados antes”, comentou. Quanto à análise que o ministro Mendes faz das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff, Cardozo mencionou que os advogados do partido “entendem que Gilmar não poderia agir nesse caso até por decisões anteriores”. “Mas não vou me pronunciar sobre isso. Não tenho por hábito comentar manifestações de juízes, até por respeito à separação dos Poderes, mas, quando um magistrado envereda pelo campo da discussão política, como cidadão, me sinto autorizado a colocar a minha discordância. E ela se prende à análise política feita pelo cidadão Gilmar Mendes e se vê que a paixão distorce a realidade dos fatos”, afirmou.
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Os tucanos, por sua vez, aplaudiram Mendes. “O ministro do STF traduz um sentimento que está na sociedade. Vivemos um vendaval positivo de intolerância à corrupção. Assustou a dimensão do que se descobriu a partir da Lava-Jato, uma escala industrial, organizada e orgânica”, disse o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). “Isso tem a cara do Zé Dirceu (ex-ministro da Casa Civil, preso em Curitiba) que é disciplinado e centralizador, vem da escola das organizações que ele frequentou”, completou Pestana.
Cardozo não comentou o arquivamento pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, do pedido do ministro Gilmar Mendes para investigar a gráfica VTPB, suspeita de ser uma empresa de fachada. A VTPB recebeu nas últimas eleições R$ 28 milhões, sendo R$ 16 milhões da campanha da presidente Dilma. A oposição considerou que o procurador estaria protegendo a presidente. Ontem, a própria procuradoria divulgou uma nota de esclarecimento para explicar que arquivamento se referia a um procedimento de maio e que, “conforme análise, não foram constatadas irregularidades praticadas pela empresa no que diz respeito às esferas eleitoral e penal”. “Os fatos narrados não trazem indícios de que os serviços gráficos não tenham sido prestados nem apontam majoração artificial de preços. Por isso, a PGE manifestou-se pelo arquivamento do procedimento. Cabe destacar que outras representações continuam em andamento na Procuradoria-Geral da República”, diz o texto.
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) considera que “o governo do PT misturou partido com governo e governo com Estado”. “A Petrobras é uma empresa do Estado e não do governo”, disse, mas fez ressalvas às declarações de Mendes. “O ministro Gilmar até tem razão, mas vi uma contradição nas declarações dele. Ele está segurando a proposta que acaba com o financiamento de empresas para campanhas políticas. A empresa não é cidadã. Cidadãos são os eleitores. Ele, ao mesmo tempo em que fala em método de governança e aliança espúria, deveria liberar logo o voto dele”, cobrou Cristovam. O senador se referia ao voto de Mendes numa ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que deseja restringir as doações de campanha às pessoas físicas. Cristovam esteve com Mendes em junho, antes do recesso justamente para pedir que o ministro liberasse o voto sobre o tema. “Ele prometeu para logo, agosto, passou, chegamos a setembro e o voto não veio”, lembrou.
Mendes disse que levaria seu voto ao plenário do Supremo em breve e que não pretendia esperar a decisão do Congresso sobre a reforma política. O ministro não antecipou seu voto, mas técnicos do Tribunal Superior Eleitoral já o alertaram para o risco de as doações de pessoas físicas dificultarem a fiscalização. Nada impede que os partidos façam uma verdadeira “caça aos CPFs”, ou seja, obtenham os recursos via caixa dois e procurem CPFs para legalizar essas doações.