A falta de gestão pública durante anos deixou os passeios da capital do país sem condições de serem percorridos. GDF promete estudo e investimento nos próximos anos
Aos 68 anos, o funcionário público aposentado Sérgio Néri se gaba de ter abandonado definitivamente o carro há mais de uma década. Pedestre por excelência, muitas vezes ele deixa a Quadra 33 Norte de Águas Claras, onde mora, rumo a Taguatinga ou ao Guará para encontrar amigos. Ele faz os percursos a pé. A 72km de distância dali, o cabeleireiro César Brasil, 33, anda, diariamente, mais de 4km para ir de casa, no Arapoanga, em Planaltina, ao trabalho. Embora pertençam a classes sociais diferentes e morem e cidades distantes, os dois enfrentam juntos, por escolha ou por necessidade, a dificuldade de caminhar pelo Distrito Federal. O péssimo estado de conservação e a falta de calçadas em todas as regiões administrativas mostram uma cidade inimiga dos pedestres.
Sérgio evita trechos e percorre caminhos maiores. Algumas vezes, faz isso para se manter nas vias próprias, que não se interligam sequer em Águas Claras, uma das cidades mais jovens do DF. Outras, para evitar os passeios quebrados. Não é difícil encontrar trechos sem acessibilidade, degradados e até intrafegáveis em todo o DF. “Eu sempre ando nas calçadas. É muito perigoso dividir espaço com os carros. Mas, muitas vezes, o caminho não tem continuidade. Temos que passar por cima da grama ou pegar a pista se não tiver jeito. Encontro muitas vias quebradas também. Eu observo bem onde estou caminhando e aumento o trajeto para evitar o perigo, se for necessário”, relata Sérgio, que em outubro comemora 15 anos sem usar carro.
Mais exemplos
César Brasil trabalha em diversos salões e, por isso, vai a vários lugares do DF. Dá preferência ao transporte público ou anda mesmo. “De bicicleta é perigoso”, adverte. Diariamente, ele é obrigado a dividir espaço com os carros. No trajeto de casa para a parada não existe calçada. “Na chuva, enfrentamos vias quebradas. Na seca, é muito lixo. Durante todo o ano, são bueiros e bocas de lobo abertos. Muitas delas são altas. Da minha casa para o ponto de ônibus, eu divido lugar com os carros, pois não há passeio”, reclama.
Autônoma e moradora do Riacho Fundo I, Gisele Rodrigues, 34, compartilha a experiência de César. Para ela, se o governo pensa pouco nos ciclistas, se preocupa ainda menos com quem caminha. Ela compara os locais que já percorreu e atesta: quanto mais distante do centro da cidade, piores são as calçadas. “As nossas calçadas estão todas em péssimo estado de conservação. Na Asa Sul e no Sudoeste, por exemplo, a situação é um pouco melhor. Mas, à medida que nos afastamos do centro, o estado piora ou os trajetos pavimentados para pedestres simplesmente não existem.”
A experiência vivida por Sérgio, César e Gisele é confirmada pelo levantamento do GDF sobre as calçadas em todo o DF — desatualizado, por sinal, já que ocorreu entre 2009 e 2012. Três anos depois, os reparos não acompanharam a degradação. O problema não é apenas o abandono, mas a forma de elaborar as redes pavimentadas para quem anda a pé. Um estudo da Universidade de Brasília (UnB), de 2007, sobre Águas Claras, mostra que as duas principais avenidas da cidade, Araucária e Castanheiras, não foram pensadas para pedestres. Invasões de tapumes e descontinuidade são problemas listados.
Violação
Isso significa que os projetos feitos pelo governo violaram o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), lei federal que coloca o pedestre acima dos meios de transporte não motorizados e motorizados no trânsito. Um dos autores da pesquisa, Flávio Dias, pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes (Ceftru) da UnB, acredita que o governo deveria mudar a forma de investir no trânsito no DF. Para ele, grandes quantias de dinheiro revertidas em obras para amenizar engarrafamentos seriam mais bem empregadas se aplicadas em calçadas, ciclovias e transporte público.
O especialista ressalta que a calçada precisa ter um mínimo de 1,2m a partir do meio-fio, e na parte mais externa é necessário um espaço gramado. Nesse local, equipamentos públicos, como postes e placas, devem estar instalados para que não interfiram no caminho dos pedestres. “Temos que tirar obstáculos do caminho — incluindo buracos. Cerca de 38% das saídas das pessoas são a pé”, explica Dias.