A temperatura na Câmara voltou a baixar e a Medida Provisória (MP) 870, que trata da reforma administrativa, foi aprovada nesta quinta-feira (23/5) no Plenário. Depois de um pleito com ânimos exaltados na noite de quarta-feira (22/5), lideranças partidárias entraram em acordo e, em votação simbólica, sem contagem numérica, concluíram o pleito rejeitando o destaque que restringia a atuação dos auditores fiscais da Receita Federal. Para o PSL, o trato não apaga a derrota sofrida com a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o Ministério da Economia, mas atenua. Ainda nesta quinta-feira (23/5), o presidente Jair Bolsonaro pediu que o Senado siga o voto da Câmara, a fim de que a proposta não ultrapasse o prazo para votação.
O acordo teve a costura do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois de insucessos nas tratativas feitas pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). O parlamentar chegou a propor que se aprovasse o destaque, com a condição de o presidente Jair Bolsonaro vetar o trecho dos auditores ao sancionar a MP. O combinado foi proposto, por exemplo, ao líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ), que negou, sob pretexto de ficar com o ônus do tema e deixar os bônus para o chefe do Executivo federal.
O trabalho feito por Maia com a liderança foi tratado nos bastidores como um recado a Vitor Hugo e, consequentemente, ao Palácio do Planalto. O presidente da Câmara disse na reunião do colégio de líderes na terça-feira ter cortado relações pessoais com o pesselista. O acordo firmado por Maia não só neutralizou a articulação do líder do governo, como também acabou avaliado como uma forma de “limpar” a imagem do Centrão, atacada, sobretudo, por deputados do PSL.
A emenda dos auditores fiscais limitava a atuação dos servidores a crimes tributários, impedindo-os de fazer investigações dos não tributáveis, atuar em indícios de delitos de outra natureza e de informar ao Ministério Público indícios dessas infrações. Uma vez que Maia se mobilizou para retirar esse ponto da MP, lideranças partidárias avaliam que a Câmara distensiona as críticas feitas por apoiadores de Bolsonaro, que mobilizam protestos para domingo em apoio ao governo. “O argumento principal deles era de pressionar o Congresso a votar a MP. Agora, eles estão com menos munições. Vão ter que se limitar a apoiar a reforma da Previdência ou vão mirar o Supremo Tribunal Federal (STF)”, ponderou um líder.
Balanço
Internamente, mesmo considerando a ida do Coaf para a Economia, o PSL avalia como positivo o resultado na Câmara. Parlamentares calculam que obtiveram 140 votos a mais do que o previsto, de 70. Para deputados, é uma sinalização de medo dos demais congressistas em relação ao apoio popular capitaneado por Bolsonaro que, para os pesselistas, os mantêm fortalecidos para votações futuras.
A MP 870 está, agora, no Senado. O texto deve ser votado na terça-feira, sem amarras à atuação dos auditores da Receita, afirmou o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo na Casa. “Fica do jeito que a Câmara votou”, explicou. No que depender da bancada do PSL no Senado, contudo, a MP voltará à Câmara. O líder do partido na Casa, Major Olímpio (PSL-SP), vai enviar um requerimento para que o Coaf volte ao Ministério da Justiça. Horas depois, Bolsonaro fez transmissão pelo Facebook e pediu que o resultado se repetisse na Câmara, afirmando que era preciso “tocar o barco”.
Caso a matéria seja aprovada dessa forma, retornaria para apreciação dos deputados. Para o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), pode ser um problema. “Se olharmos sob a questão do tempo, todo mundo sabe que a MP pode caducar (em 3 de junho). O prazo fica muito curto”, ponderou. As atenções do Congresso estão totalmente voltadas para esse assunto, a ponto de a própria Câmara ter adiado a discussão de outras MPs, como a 868/18, que atualiza o marco legal do saneamento básico, por falta de acordo.
Auditores fiscais estão satisfeitos
A notícia foi bem-recebida pela categoria. Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Floriano Martins de Sá Neto, os parlamentares não se “deixaram contaminar” pelo discurso político, analisando o mérito do texto pelo lado técnico. Pelos cálculos do auditor, há 2,5 mil representações registradas pela Receita. O medo era de que elas deixassem de valer com a mudança. “A nossa preocupação era que a nova redação desconstituísse o trabalho já efetuado”, disse ao Correio.