Líderes na área de medicina nuclear preveem para 2016 uma grave crise mundial de abastecimento de uma matéria-prima radioativa utilizada em exames para detectar tumores e avaliar o funcionamento de órgãos como coração, cérebro, tireoide, rins, entre outros. Na semana passada, autoridades de todo o mundo se reuniram na França, convocados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para discutir estratégias de enfrentamento dessa crise.
O isótopo radioativo que pode minguar em um prazo de dois anos é o molibdênio-99. Ele dá origem ao tecnécio-99, substância utilizada em 80% dos exames diagnósticos na área de medicina nuclear. Nessa especialidade, a administração de materiais radioativos ao paciente permite a obtenção de imagens precisas de tecidos do corpo humano.
Para esse tipo de diagnóstico, o material radioativo é unido a moléculas que participam de reações fisiológicas no órgão a ser investigado. Quando essa união de materiais – chamada radiofármaco ou radiotraçador – é injetada no paciente, ela é atraída para o local de interesse e detectada pelas imagens obtidas nos exames. São as cintilografias.
“Praticamente todos os órgãos do corpo podem ser estudados com a medicina nuclear. Além da detecção de tumores, é possível detectar risco de infarto e diagnosticar a doença de Alzheimer, por exemplo”, explica o médico Celso Darío Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN).
O tecnécio-99 é obtido por meio da fissão do urânio em reatores específicos, com potência energética muito menor do que a das usinas nucleares. Existem atualmente cinco grandes reatores responsáveis por fornecer 85% do molibdênio-99 utilizado em todo o mundo, que ficam no Canadá, França, Bélgica, África do Sul e Holanda. O Brasil não possui reatores capazes de produzir o isótopo.
Segundo o médico Cláudio Tinoco Mesquita, vice-presidente da SBMN, o mercado mundial de fornecimento de isótopos médicos é muito concentrado e frágil. Ele foi o representante da sociedade médica na reunião da OCDE, na França. “É frágil porque os reatores já têm décadas de uso e estão enfrentando problemas recorrentes. No próximo biênio, devem sair de operação os reatores do Canadá e França, o que pressionará o mercado”, diz Mesquita.
Uma crise semelhante já ocorreu em 2008, quando um dos reatores interrompeu suas atividades. O Brasil tem um projeto para se tornar autossuficiente na área. As discussões sobre a criação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB) começaram em 2008, mas ele não deve entrar em atividade antes de 2018 .
A garantia de ter material suficiente para a realização dos exames nessa época dependerá, portanto, de acordos diplomáticos e comerciais firmados entre os países. “Esses acordos devem ser costurados com a maior celeridade possível, pois todos perceberam que momentos difíceis estão por chegar”, completa o especialista.