Sócio de empresa fornecedora de materiais é monitorado desde maio. Grupo é suspeito de lucrar prescrevendo procedimentos sem necessidade.
Gravações mostram um empresário investigado no esquema conhecido como a “máfia das próteses” combinando o saque de dinheiro que supostamente era pago a integrantes do grupo. Um dos donos da empresa fornecedora de material hospitalar TM Medical, Micael Alves, é monitorado pela Polícia Civil pelo menos desde maio. Ele foi preso na operação Mr. Hyde, que apura pagamento de propina a médicos e hospitais, resultando em cirurgias e implantes desnecessários e de baixa qualidade.
Uma das imagens feitas pela polícia mostra o empresário conversando em uma padaria do Cruzeiro com o médico Johnny Wesley Martins, apontado como um dos comandantes do esquema e também dono da TM Medical.
Logo depois, Alves segue sozinho para um banco do Sudoeste. Ele já tinha acertado a movimentação por telefone.
Atendente: Eu recebi uma previsão aqui de vocês pra segunda-feira.
Micael Alves: Segunda-feira. Isso.
Atendente: Você que vai vir aqui sacar?
Micael Alves: Provavelmente, sim.
Atendente: Vai ser esse valor mesmo, né?
Micael Alves: Isso. Cem [mil], né?
Atendente: Isso.
Micael Alves: Tá.
Na ocasião, ele só sacou R$ 80 mil, diz o inquérito. No mesmo dia, à tarde, ele ligou para um médico não identificado, que relata estar saindo do hospital onde trabalha. Micael Alves também respondeu que estava saindo. Para a polícia, o recado era uma combinação para a entrega da propina.
Histórico
Desde o dia 1º de setembro, quando ocorreu a primeira fase da operação, a Polícia Civil e o Ministério Público ouviram pelo menos 150 pessoas. O inquérito ultrapassa as 300 páginas. Segundo a investigação, médicos e empresários se uniram para favorecer a TM Medical e o hospital Home. Os dois negam irregularidades (veja posicionamentos no fim desta reportagem).
Em depoimento, a funcionária da TM Medical Rosângela Souza afirmou que, no papel, os donos da empresa eram Micael Alves e Mariza Martins. Na prática, segundo ela, era o médico Johnny Wesley Martins quem comandava as fraudes.
O esquema incluía a reprodução de lacres de próteses em uma gráfica. Segundo Rosângela, o material era grampeado nos relatórios de cirurgias entregues aos planos de saúde, como forma de aumentar o valor ressarcido pelas operadoras. Cada lacre era “reciclado” por até 50 vezes.
Outra funcionária da TM, Sammer Oliveira, explicou no depoimento que os lacres falsificados “transformavam” uma prótese de má qualidade, mais barata, em um produto importado. Ela também confirmou aos investigadores que os médicos recebiam comissão em dinheiro vivo.
Sammer diz ter visto, em várias ocasiões, o funcionário Micael Alves aguardando médicos no estacionamento, ou médicos aguardando o funcionário no vestiário para receber o dinheiro. No depoimento, ela também afirma que a propina é “tão comum, que nenhuma empresa sobrevive sem pagar os 30% de faturamento ao médico”.
O depoimento da funcionária também aponta que os médicos estão “acostumados” a receber propina e, por isso, passaram a exigir cada vez mais dos fornecedores. Além do dinheiro vivo, eles estariam recebendo viagens, congressos e pagamentos diretos de prestações de carro e reformas em imóveis.
Um documento apreendido pela Polícia Civil e anexado ao inquérito mostra suposto superfaturamento. Em uma das cirurgias, o médico Juliano Almeida pediu produtos de valores “absurdamente superiores” aos cobrados pelo fornecedor, em um total de R$ 19,7 mil. O preço de mercado das próteses variava entre R$ 1,6 mil e R$ 2 mil, de acordo com a investigação.
Hospital envolvido
Em outro depoimento prestado à Polícia Civil e ao MP, o funcionário da TM Edson Luis Cabral disse que o hospital Home, na Asa Sul, recebia 15% de comissão sobre os lucros do suposto esquema de corrupção.
De acordo com o inquérito, o hospital era a mais utilizado pela organização criminosa porque conseguia agilizar o processo de pagamento junto aos planos de saúde.
Em nota, a instituição diz que “o juiz Caio Todd, da 2ª Vara Criminal do DF, rejeitou a denúncia em relação aos dirigentes do Hospital Home, Nabil Nazir El Haje (presidente) e Cícero Henrique Dantas Neto (diretor médico)”.
“Isso significa que não há provas do envolvimento do hospital no caso investigado pelas autoridades, o que o Home tem sustentado desde que a operação Mister Hyde foi deflagrada em 1º de setembro”, segue a nota. “Segundo o juiz, a denúncia foi rejeitada por não vislumbrar, na narrativa feita, elementos que indiquem, de forma mínima, sua participação no esquema descrito.”
Posicionamentos
O Conselho Regional de Medicina afirmou à TV Globo que já investigava a conduta dos médicos. A defesa da TM Medical respondeu que o inquérito traz “hipóteses levianas” e nega que tenha feito cirurgias desnecessárias ou utilizado material impróprio.
O hospital Home afirmou que “só presta serviços hospitalares” e que não interfere nas condutas médicas. Segundo a instituição, o mercado hospitalar tem como praxe a cobrança de uma taxa de administração, decorrente do uso de próteses e medicamentos.
Mariza Martins, Micael Alves, Rosângela Souza, Johnny Wesley e Sammer Oliveira fazem parte do grupo de 19 pessoas denunciadas pelo Ministério Público à Justiça, e já se tornaram réus no processo. O Tribunal de Justiça do DF não aceitou a denúncia do MP contra um diretor e um sócio do Home.