Uma nova modalidade de golpe tem feito vítimas de todo o país sofrerem perdas financeiras significativas. Os golpistas estão abrindo contas PJ dentro de um banco e utilizando o próprio nome fantasia da instituição bancária para cobrar débitos.
O TecMundo conversou com dois clientes que sofreram o golpe de pessoas que utilizaram o nome do C6 Bank. O modus operandi em ambos os casos foi praticamente o mesmo: as vítimas receberam contato de supostos atendentes do C6 Bank com uma proposta de renegociação e posteriormente um boleto que continha informações como razão social “Banco C6 S.A.”, nome do beneficiário “C6 Bank”, nome fantasia de “C6 Bank” e até mesmo o CNPJ oficial do C6.
Alexandre Pinheiro de Souza, entregador de aplicativo que mora em Pernambuco, explica que tinha uma fatura em atraso de R$ 465,01 no C6 Bank. No mês passado, ele recebeu uma ligação de um suposto representante do banco. A pessoa fez uma proposta para que ele quitasse a dívida com desconto pagando R$ 405,32.
“Depois eles entraram em contato pelo WhatsApp. A pessoa já sabia meu nome completo, sabia o quanto eu devia, a proposta da negociação que eu tinha feito por telefone, mandou o boleto e eu paguei. Depois disso, percebi que não tinha liberado o limite do cartão de crédito. Eu verifiquei o CNPJ e era realmente do C6”, conta.
O trabalhador tem tentado resolver a situação, mas diz que está sendo mandado de um setor para outro. “Eu liguei na Central de Atendimento ao Consumidor e de lá me mandaram ligar para o setor jurídico e assim segue até você desistir. Então não tive uma resposta sobre o meu caso ainda”.
“Então não tive uma resposta sobre o meu caso ainda”.
Alexandre se diz chateado com a situação, já que segue sendo cobrado e só deve conseguir efetivamente pagar a dívida com o C6 nos próximos meses. “Eu quero pagar, entende? Mas não sei quando vou conseguir”, disse à reportagem.
Comprovante de pagamento de Alexandre mostra as credenciais do C6 Bank
Golpe coordenado
Brenda de Moura Libardi, que é consultora comercial interna, relata ao TecMundo que considera processar o C6 Bank. O caso dela, que se arrasta desde o final de 2021, começou com um e-mail.
Ela narra que em 17 de dezembro, uma sexta-feira, recebeu uma mensagem eletrônica do suposto setor de cobrança do C6 informando sobre um valor em aberto (que realmente existia). Ela respondeu ao comunicado dizendo que faria o pagamento na próxima semana. Na segunda-feira (20 de dezembro de 2021), ela recebeu uma mensagem via WhatsApp.
Na conversa, cujas capturas de tela podem ser vistas na galeria abaixo, o golpista abordou Brenda falando sobre o valor em aberto e uma renegociação da dívida. O valor cairia dos R$ 648,33 para R$ 598,90.
Na troca de mensagens, Brenda aceitou a renegociação e recebeu um boleto para pagamento. Desconfiada, ela até chegou a perguntar se o pagamento poderia ser feito dentro do próprio app do C6, mas o golpista desconversou e mandou um novo boleto, após uma primeira tentativa de pagamento que não deu certo. A vítima conta ter conferido o número do CNPJ da cobrança, que dava até mesmo o retorno de “Banco C6 S.A.”, como mostra o print abaixo.
Comprovante de pagamento de Brenda
Já que o boleto retornava com inscrições que remetiam ao banco, ela acabou realizando o pagamento. Para conferir a situação, ela chegou até mesmo a entrar em contato com a empresa terceirizada responsável pela cobrança do C6 Bank. Mas àquela altura, a dor de cabeça dela estava apenas começando.
Prejuízos financeiros e emocionais
Brenda conta que a “ficha foi caindo” depois que a cobrança continuou e que o C6 Bank não deu “baixa” do pagamento no sistema. Depois de vários dias sem solução, tendo utilizado o dinheiro do 13º para pagar a dívida do cartão, a consultora comercial percebeu que havia sido vítima de um golpe.
“Eu sempre fui a pessoa mais medrosa e que sempre falou para outras sobre as fraudes e o quão arriscado é [o sistema financeiro]. Chega a ser vergonhoso para mim [ter sido vítima do golpe] porque me afetou 100%. Me senti um lixo”, desabafa.
Em janeiro de 2022, após o caso continuar sem solução, ela abriu uma extensa reclamação no Procon da Paraíba, estado onde mora. A entidade de defesa do consumidor exigiu que ela abrisse um boletim de ocorrência para que a denúncia prosseguisse. Apesar de o BO ter sido feito, a reclamação foi encerrada sem solução ainda no começo deste ano.
Brenda enxergou na reclamação ao Procon uma forma de tentar reaver o dinheiro
Na resposta final, o C6 lamentou Brenda ter sido vítima e disse que o golpe “ultrapassa algumas barreiras de segurança”. “O caso foi tratado pelo nosso time de especialistas que concluiu que a conta utilizada para prática do ato ilícito seguiu todos os requisitos necessários na ocasião da abertura”, chegou a admitir o banco no último comunicado.
A instituição informou ainda que não poderia revelar informações sobre o dono da Conta PJ que utilizava o nome social de “C6 Bank S.A.”, por causa da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), mas que encerrou a conta do indivíduo “mediante as diligências realizadas a partir do relato recebido”.
Brenda ainda não foi ressarcida e segue com os prejuízos financeiros e emocionais do caso. Ela questiona todos os aspectos do caso, desde o conhecimento do golpista do débito que ela tinha, sobre o criminoso utilizar o próprio nome e CNPJ do C6 Bank, sobre a falta de suporte que recebeu e etc.
Brenda chegou a receber uma nova tentativa de golpe de outro número em abril.
“Isso aconteceu no final de 2021 e estamos em julho de 2022 e possivelmente seguem aplicando o mesmo golpe utilizando o nome do banco. Para mim, o C6 já se tornou conivente, já que a situação é muito grave. Eles [C6] não querem resolver o problema, somente culpar o consumidor”, diz revoltada.
Outras vítimas
Não é difícil achar depoimentos sobre golpes semelhantes ao do CNPJ com nome do banco na internet. No Reclame Aqui, por exemplo, a reportagem encontrou pelo menos dois relatos de pessoas que foram enganadas em ações parecidas.
Em uma das publicações, a pessoa comenta que fez uma compra e recebeu um boleto com os dados corretos do C6 Bank. Contudo, o CNPJ da loja virtual onde a compra foi feita era falso. Na resposta, o C6 publicou um texto parecido com o que foi enviado para Brenda, utilizando o mesmo termo de “conduta que ultrapassa algumas barreiras de segurança”.
“Informamos, inicialmente, que o C6 Bank não disponibiliza o serviço de emissão de boletos de cobranças aos seus clientes ou não clientes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Desta forma, o referido boleto não foi emitido em nossos sistemas e, portanto, não há qualquer participação desta instituição neste processo”, diz trecho da resposta.
Em outro caso, um usuário de Piracicaba (SP) conta que sofreu o mesmo golpe relatado pelas vítimas nesta matéria. “Em 30/08/2021 efetuei o pagamento de um boleto cujo consta como beneficiário o banco C6 e CNPJ do banco. Efetuei o pagamento justamente por esse motivo. Inclusive, tenho conta no próprio banco, e por isso julguei ser verídico o boleto”, reclama.
Nesta segunda história, a instituição financeira dá ainda mais detalhes na resposta ao cliente, confessando que deixou mesmo uma pessoa abrir uma conta PJ utilizando o nome do próprio banco. Confira, abaixo, a resposta:
“Quanto ao fato de o boleto pago pela reclamante ter sido creditado, apuramos que o mesmo é correntista desta instituição. No entanto, esclarecemos que não identificamos irregularidades no processo de abertura de sua conta. Verificamos ainda, que foram tomados os procedimentos previstos no KYC (Conheça seu Cliente), bem como, seus dados foram conferidos na base da Receita Federal. Contudo, diante do teor da reclamação, efetuamos o bloqueio preventivo da conta e prosseguimos com o encerramento por decisão administrativa”, diz a mensagem.
A longa resposta do C6 Bank a uma vítima explica o porquê ele não poderá ser ressarcido
O texto segue dizendo que “desta forma, reafirmamos que, diante da possibilidade de um de nossos correntistas — por decisão pessoal dele e sem interferência do C6 Bank —, ter utilizado a conta para fins não lícitos, efetuamos o encerramento da conta. Informamos ainda que, não havia saldo disponível na conta para que pudesse ser efetuada devolução do valor contestado ao reclamante”.
CNJP do C6 Bank
Um dos fatos que chamam a atenção nas histórias é que os golpistas abriram contas CNPJs e depois uma conta PJ no C6 utilizando o nome do próprio banco. No caso do crime sofrido por Brenda, ela conseguiu mais dados da empresa falsa simulando o pagamento por outro aplicativo de banco.
Os golpistas abriram CNPJs e contas no C6 usando o nome do banco.
O CNPJ que aplicou o golpe em Brenda está registrado em nome de Marcela*, cujo empreendimento é de porte ME (Microempresa). De acordo com a Receita Federal, o cadastro da firma dela está ativo.
No campo de “Título do Estabelecimento”, ou seja, o nome fantasia, a inscrição está como “C6 Bank S.A”. Confira, abaixo, uma captura de tela do sistema de consulta pública de CNPJs da Receita Federal. Apesar de a reportagem censurar os dados sensíveis, é importante lembrar que eles são públicos e estão disponíveis para todos no site da Receita Federal:
O nome social da Microempresa de Marcela* está cadastrado como “C6 Bank S.A”
O TecMundo entrou em contato com o número que está cadastrado na Receita Federal. A própria Marcela* atendeu o telefone e disse à reportagem que nunca abriu nenhuma conta PJ no C6 Bank.
Ela, que diz ser garçonete em São Paulo (SP), afirmou que pretende ir à polícia para verificar a situação. Questionada sobre o porquê de seu CNPJ ter a inscrição “C6 Bank S.A”, Marcela negou ter feito esse registro. “Eu vou procurar uma delegacia e fazer um boletim de ocorrência, já que não tenho conta no C6 Bank e nunca usei o nome do banco”, se defende.
A reportagem também tentou contato com a pessoa dona do CNPJ que aplicou o golpe no entregador Alexandre Pinheiro de Souza. Contudo, não conseguimos falar nem pelo telefone e nem pelo e-mail cadastrados na Receita Federal. O CNPJ, que está em nome de Erick Felipe da Silva Martins, também tem um nome fantasia de C6 Bank, assim como o caso da empresa aberta em nome de Marcela*’. Confira, abaixo:
A empresa de Erick está cadastrada em Goiás
Outro lado
O TecMundo questionou o C6 Bank sobre vários aspectos dos casos. Em resposta por nota, a empresa pontuou primeiro que ao abrir uma conta PJ no banco, o cliente “não pode escolher qualquer nome de empresa. O campo ‘razão social’ é preenchido automaticamente durante o processo no onboarding com o mesmo nome registrado na Receita Federal, sem interferência humana”.
Sobre os relatos de Alexandre Pinheiro de Souza e Brenda de Moura Libardi, o banco respondeu que as contas que aplicaram os golpes “nunca tiveram o nome ‘C6 Bank’”. Na situação de Alexandre, a conta foi aberta com o nome de “Leilo Master” e no segundo, aberta em nome de “Acessoria [sic] e Adm de Bens e Pagamentos”, de acordo com o banco.
“Não podemos responder por eventuais alterações do nome fantasia da empresa na Receita Federal após a abertura da conta. No C6 Bank, nunca houve reporte sobre alteração do nome ou efetivação de alteração do nome dessas contas”, informou a empresa. A instituição acrescenta que as contas — que estão atualmente bloqueadas — foram abertas com autenticação por biometria facial.
A nota aponta também que a empresa “adota ferramentas avançadas de segurança, apura com rigor todas as denúncias e toma as medidas necessárias para coibir qualquer atividade ilegal” e que orienta os clientes a exigirem o recebimento dos boletos e que recusem pagar pessoas ou empreendimentos que enviam somente a linha digitável do documento de pagamento.
“Ressaltamos que os consumidores devem ficar atentos para evitar golpes que usam engenharia social para obter dados das vítimas e também para evitar fraudes como o golpe do boleto falso. Nesse tipo de golpe, o fraudador emite um boleto de depósito e compartilha com a vítima. Por padrão de mercado, nos boletos de depósito, o beneficiário aparece com os dados do banco que emitiu o boleto. No mesmo documento, é possível verificar o nome e o CNPJ do beneficiário final do boleto”, informou ainda o C6 Bank.
Receita Federal
A reportagem também entrou em contato com a Receita Federal para verificar como é possível que um CNPJ utilize uma razão social com o nome de um banco. Até o momento do fechamento da matéria, porém, a entidade não retornou o contato.
*Marcela é um nome ficticio.
Por TecMundo