O sonho de uma vida melhor para a família foi interrompido pelas bombas no Líbano. A guerra entre Israel e a milícia xiita libanesa Hezbollah fez, na última segunda-feira, a primeira vítima brasileira. Ali Kamal Abdallah, um jovem de 15 anos que nasceu em Foz do Iguaçu (PR), e o pai, o paraguaio Kamal Hussein Abdallah, 64, morreram durante um ataque aéreo israelense à cidade de Kelya, no Vale do Bekaa (leste). O Correio apurou que o irmão de Ali, Mohammed Kamal Abdallah, 16, também paranaense, ficou ferido no braço. Uma fonte do governo brasileiro confirmou as mortes. Também informou que a Embaixada do Brasil em Beirute está em contato com familiares das vítimas para prestar assistência. Até o fechamento desta edição, o Ministério das Relações Exteriores não tinha divulgado uma nota oficial sobre o caso.
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Adnan El Sayed, vereador em Foz do Iguaçu e amigo da família, contou ao Correio que o clã Abdallah mudou-se da cidade paranaense para o leste do Líbano em meio a dificuldades econômicas. “Eles foram tentar alguma oportunidade financeira. Kamal e os dois filhos estavam juntos na hora do bombardeio, na última segunda-feira (23/9). Mohammed viu o pai e o irmão serem mortos e está voltando para o Brasil nesta quinta-feira”, relatou.
De acordo com Adnan, Kamal era comerciante e, pouco tempo atrás, abriu a Limpo.KM — uma pequena fábrica de produtos de limpeza em Kelya. A família morava em uma cidade vizinha. “Pelo que eu soube, os meninos ficaram com medo, após o início dos bombardeios, e pediram para acompanhar o pai até a fábrica”, contou Adnan.
Ainda segundo o vereador, a mulher de Kamal e mãe dos garotos, Noha Abdallah, tinha retornado ao Brasil recentemente para encontrar uma das filhas, que está grávida. Ele afirmou que Kamal e Ali foram sepultados no Líbano. “Éramos todos muito próximos. O senhor Kamal era uma pessoa extremamente alegre, divertida. Não tinha um lugar que ele ia e que não contava algo engraçado. Estava sempre sorrindo e fazendo brincadeiras. Uma pessoa super alegre e muito trabalhadora”, disse Adnan. Ao ser questionado sobre Ali, o amigo da família respondeu: “O que posso dizer? Era uma criança pura, assim como todas as crianças”.
O conflito entre Israel e Hezbollah tornou a escalar nas últimas horas. Os bombardeios no Líbano mataram 72 pessoas, nesta quarta-feira (25/9), e feriram centenas, em vilarejos situados fora dos redutos xiitas do Hezbollah, segundo o ministro da Saúde libanês, Firass Abiad. O grupo pró-Irã disparou, pela primeira vez, um míssil balístico terra-terra que sobrevoou Tel Aviv até ser interceptado.
Ariel Avrahami, 42 anos, tomava o café da manhã, às 6h30 desta quarta-feira (0h30 em Brasília), quando foi surpreendido pelo barulho das sirenes antiaéreas. No celular, ele recebeu um alerta de “disparo de foguete” sobre o Rio Yarkon e o centro da cidade de 4,4 milhões de habitantes. “Assim que eu e minha esposa escutamos o alerta, ficamos próximos da escada do apartamento, um dos locais mais seguros. Depois, o dia seguiu normalmente. Desde o fim de 2021, os ataques de grupos terroristas têm ocorrido. Essa foi a primeira ofensiva balística do Hezbollah”, explicou ao Correio o economista gaúcho, que vive em Israel desde 2015. “O míssil foi abatido pela Funda de Davi, sistema de defesa para derrubar mísseis.”
Horas depois, o major-general Uri Gordon, comandante do Norte das Forças de Defesa de Israel (IDF) declarou que suas tropas “precisam estar muito prontas para entrar em ação e invadir” o Líbano. Duas brigadas da reserva foram convocadas e serão deslocadas para o norte do país.
Em um sinal de uma possível incursão terrestre no Líbano, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, prometeu “não descansar” até que os moradores do norte de Israel possam retornar para suas casas. “Não posso detalhar tudo o que estamos fazendo, mas posso dizer uma coisa a vocês: estamos determinados a devolver os moradores do norte para seus lares, em segurança”, assegurou, por meio de um comunicado oficial. “Estamos infligindo golpes no Hezbollah, os quais eles não imaginaram. Fazemos isso com força; fazemos isso com astúcia. Eu prometo a vocês uma coisa — não descansaremos até que eles voltem para casa”, ressaltou.
Ação terrestre
Chefe das Forças Armadas de Israel, Herzi Halevi confirmou que os ataques no Líbano visam destruir a infraestrutura do Hezbollah e abrir caminho para uma ação terrestre. “Vocês ouvem os jatos sobrevoando; estamos atacando o dia todo”, disse a soldados, durante visita à fronteira norte com o Líbano. “Isso serve tanto para preparar o terreno para a possível entrada de vocês como para continuar a degradar o Hezbollah.”
Dois foguetes lançados pela milícia caíram sobre o kibbutz Sa’ar, perto de Nahariya, na Galileia Ocidental, norte de Israel. Um homem de 35 anos ficou gravemente ferido e outro, de 52, sofreu lesões de moderada gravidade. No extremo sul do território israelense, no balneário de Eilat, banhado pelo Mar Vermelho, um drone atingiu a área portuária, deixando dois feridos, e um segundo foi interceptado antes do impacto. O ataque foi reivindicado pela milícia pró-Irã Grupo de Resistência Islâmica no Iraque. O ministro das Relações Exteriores iraniano, Ali Bagheri, alertou que o Oriente Médio está à beira de uma “catástrofe em larga escala” e prometeu que o Irã apoiará o Líbano por “todos os meios” em caso de escalada militar. Por sua vez, o embaixador israelense na ONU, Danny Danon, declarou que seu país prefere a diplomacia, mas usará “todos os meios” no Líbano.
Em Hadera, 82 quilômetros ao sul de Sa’ar, a paulistana Jessica Cohen, 33, mãe de quatro crianças pequenas, enfrentava momentos de tensão. “A sensação que tenho é a de que vivemos o silêncio antes da tempestade”, admitiu ao Correio, por meio do WhatsApp. “Foi uma manhã muito intensa, com o míssil sobre Tel Aviv. Agora à noite, houve ataques de drones vindos do Iraque contra Eilat. De um lado, temos Israel aventando a possibilidade de uma entrada por terra, no Líbano. Do outro, o Hezbollah exibindo o novo míssil de seu arsenal. É uma ameaça. Sentimos que haverá uma escalada.”
Medo
Depois de fugir de Kabrikha (sul do Líbano), a farmacêutica paranaense Sara Ali Melhem, 30, está abrigada na região xiita de Beirute. “As pessoas estão com medo. Muitos moradores fugiram para o norte; a nossa área aqui está vazia. Em meu prédio, somos apenas duas pessoas. Acho que tudo é possível de ocorrer. Nós escutamos sobre a possibilidade de invadirem por terra”, afirmou à reportagem. Ela considera que os combates terrestres no sul do Líbano levariam Israel ao fracasso. “Uma invasão pode acontecer, mas penso ser difícil. Ainda estou procurando um lugar para escapar com minha família.”
De acordo com Sara, o retorno para o sul será muito difícil. “Voltar para onde? Está tudo no chão. Vamos ter que nos erguer de novo. E está tudo bem. Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que Israel faz isso. Só queremos que isso acabe logo”, desabafou a brasileira. Na cidade de Tiro (sul do Líbano), o médico radiologista Omar Khaled, 71, disse ao Correio que Israel tem conseguido o que deseja com os bombardeios e, por isso, acha ser pouco provável uma invasão. “Se fizerem uma incursão, os israelenses ficarão ao alcance do Hezbollah”, explicou. “Um cenário possível é uma operação terrestre limitada, em um raio de 15km da fronteira, para construir uma barreira e proteger os moradores do norte de Israel. Não acredito em uma guerra aberta, porque ninguém quer isso.” Ele assegurou que os bombardeios de ontem tiveram vários alvos civis. “Atacaram restaurantes, prédios residenciais, querem matar as pessoas. Ao mesmo tempo, deixaram as rodovias até Beirute abertas.”
DUAS PERGUNTAS PARA…
EFRAIM INBAR, presidente do Instituto para Estratégia e Seguranca de Jerusalém (JISS)
Como o senhor vê a possibilidade de uma invasão terrestre de Israel no Líbano?
O Hezbollah violou a resolução 1.701 do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e se aproximou da fronteira com Israel. Desde então, eles têm disparado foguetes contra assentamentos israelenses. Pelo menos 90 mil pessoas foram deslocadas de suas casas. Nós temos que criar uma situação para que os cidadãos possam voltar para onde viviam. Não temos escolha, a não ser invadir e caçar o Hezbollah.
O que se pode esperar da resistência a essa eventual incursão?
Nós estamos muito mais preparados para invadir o Líbano do que estávamos para entrar na Faixa de Gaza, em outubro de 2023. Será mais difícil, porque o Hezbollah é mais bem treinado do que o Hamas e alguns de seus militantes acumulam experiência de combate. Eles lutaram ao lado dos sírios e dos iranianos durante a guerra civil síria. Será duro, mas temos que fazê-lo. (RC)
Fonte: Correio Braziliense