Esse período ficou marcado na história da cidade como uma das épocas mais efervescentes da cultura local.Ao deixar a adolescência, Brasília começava a procurar seu lugar no mundo. Livre dos percalços e da insegurança que acometem os mais jovens, a nova adulta, com seus vinte e poucos anos, queria mostrar do que era capaz. A cena cultural construída nas primeiras duas décadas de vida, fruto dos ideais revolucionários difundidos na Universidade de Brasília (UnB) e da miscigenação que brotava das embaixadas e dos milhares de migrantes que se instalaram por aqui, entrava em ebulição.
Iniciava-se a década de 1980 e a mente da geração Coca-Cola começava a fervilhar. É neste ambiente, propício a experimentações, repleto de espaços amplos e céu aberto, que a juventude brasiliense inaugura uma revolução sonora entre monumentos e pilotis. Munidos de um enorme senso de coletividade e assombrados com a convulsão musical que toma o mundo, garotos e garotas descem de seus blocos e decidem, eles mesmos, fazer música com as armas que têm.A cidade que revelou Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, gerou também Escola de Escândalo, Marciano Sodomita, Pôr-do-Sol, Banda 69, Elite Sofisticada, Detrito Federal e outras centenas debandas. “Na metade da década, no auge, deve ter chegado a umas 300”, calcula o pesquisador e jornalista Olímpio Cruz Neto. Brasília não se tornou a capital do rock por ter exportado meia dúzia de grupos para o país, e sim por ter oferecido terreno para que o gênero de múltiplos rostos conseguisse tomar forma. “Os punks foram os que chegaram às grandes gravadoras. Mas a cidade tinha muito mais na época”, observa Militão Ricardo, da Banda 69.
Entre militares, políticos, professores e funcionários públicos, uma nova classe se insurgia — a dos artistas. Nas boates, bares e porões, no Plano Piloto e nas cidades do DF, ecoava o som cru e amador dos aspirantes a músicos. As árvores, os pontos de ônibus e murais de escola eram alvo certo dos cartazes que anunciavam os pequenos concertos, que ocorriam onde quer que houvesse uma tomada. Roqueiros e fãs eram quase sempre as mesmas pessoas. “O trabalho autoral dava público”, recorda o guitarrista Fernando Jatobá, da Capacetes do Céu. “E o público cresceu com as bandas”.“Se não fosse Brasília, nada disso teria acontecido”, defende Philippe Seabra, vocalista da Plebe. “A gente não tinha nada a perder. Entramos com tudo e mudamos a cara da música popular brasileira”. De acordo com ele, a contribuição das bandas da cidade para a cena roqueira nacional passa pela lucidez, o senso crítico e o embasamento estético. “Foi uma coisa extremamente espontânea, sem fórmulas. Aquilo que aconteceu não vai acontecer de novo”, acredita.