O final da década de 80 representa o marco de mudança do sindicalismo brasileiro, quando há o abandono do perfil combativo, expressado nas greves do ABC e da Scania, e a adoção de perfil mais defensivo, interessado na manutenção dos direitos até então alcançados pela classe trabalhadora. Ao longo de toda essa fase de refluxo sindical, outra personagem também se destacou: a Justiça do Trabalho, que se tornou mais fortalecida e imprescindível.
Hoje, porém, o cenário é de crise. O sindicalismo, esfacelado pelo enraizamento do ultraliberalismo, e a Justiça do Trabalho, esvaziada de sua competência e sem orçamento, tudo como método de enfraquecimento para sua extinção.
Ambos os atores representam a tentativa de disciplinamento da contraposição capital x trabalho, bem como instrumentalizam a concretização do Estado Democrático de Direito. Apesar da similaridade de objetivos comuns, o que se vê é o distanciamento progressivo entre eles e o desvirtuamento de seus papéis definidos pela Constituição.
A Justiça do Trabalho sofre dos mesmos efeitos nefastos resultantes da transformação do Brasil em um laboratório ultraliberal, incentivado pelos governos Temer e Bolsonaro, e segue o caminho contrário para o qual foi constituída.
Ao mesmo tempo, abre suas portas para a atuação ideológico-mercantil, postura adotada pelo STF em recentes decisões trabalhistas. Rodrigo Carelli, em artigo sobre a Análise Econômica do Direito, sinaliza a institucionalização dessa forma de interpretar o Direito do Trabalho sob o ponto de vista econômico.
Há até proposta para que conste matéria específica no edital do concurso para ingresso na Magistratura. Apesar de não institucionalizada, na prática, essa forma de interpretação tem aprofundado a crise, já que desvirtua a análise do Direito do Trabalho sob o olhar social, esta sim com fundamento constitucional.
Exemplo recente é a decisão da Desembargadora Solange Cristina Passos de Castro, do TRT do Maranhão, que declarou ilegal a paralisação do transporte público de São Luís, convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Público do Maranhão. Ela assegurou os ganhos financeiros das empresas e esvaziou o direito de greve, pois garantiu que 80% da frota funcionasse, além de impor vultosa multa ao sindicato. Também decretou a prisão de sindicalistas, pelos crimes de desobediência, de dificultar o funcionamento de transporte e de atentar contra o funcionamento de serviço de utilidade pública.
A imputação de crimes aos sindicalistas demonstra a forma como a Justiça enxerga o movimento sindical e a greve, bem como reforça a mensagem propagada pelos meios de comunicação de que greve é crime e criminoso é quem dela participa ou a incentiva. Faz-nos lembrar daquela frase do Presidente Washington Luís, nos anos 20: “A questão social é um caso de polícia”
Claro, há quem possa entender que a decisão não representa a Justiça do Trabalho. No entanto, se há espaço para ao menos uma decisão como essa, é porque o “Direito do Trabalho do Inimigo” permeia a Justiça e permite decisões aviltantes.
O movimento sindical, por sua vez, tem se deixado levar pela letargia resultante do crônico perfil defensivo, somado ao conformismo de quem entende perdida a batalha contra o ultraliberalismo. Ele se perdeu no tempo ao se entregar ao contrato formal de trabalho, esquecendo-se das cíclicas transformações do processo produtivo. Cada vez mais, o trabalho sob demanda, flexível e informal se naturaliza com respaldo na noção cega de que a tecnologia tudo faz e tudo pode.
O sindicalismo precisará buscar novas fontes de custeio para se mobilizar diante do atual mercado de trabalho. Precisará colocar sob seu guarda-chuva nada menos que 37,1 milhões de trabalhadores informais, de acordo com a análise do último trimestre de 2021 feita pelo IBGE. Precisará se abrir aos múltiplos movimentos sociais, abraçando outras pautas além das clássicas, como os direitos das mulheres, dos LGBTs, dos negros, dos indígenas e dos imigrantes.
A única certeza é que o movimento sindical não poderá vibrar na mesma energia que a Justiça do Trabalho. A luta por direitos não se faz mais somente nos tribunais e nas fábricas.
Fonte: Carta Capital