Especialistas alertam que acordo configura crime de corrupção e criticam suposto uso de atividade pública para fins privados. ‘A princípio, não existe nenhuma irregularidade’, diz corporação.
Um acordo entre o Shopping CasaPark, no Distrito Federal, e a Polícia Militar garantiu benefícios a membros da corporação em troca de reforço na segurança. Entre as vantagens, o centro comercial ofereceu dez tablets e descontos de 50% em restaurantes. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, a prática configura crime de corrupção.
Por meio de nota, a Polícia Militar informou que “a princípio, não existe nenhuma irregularidade nas doações dos tablets”. “No entanto, o setor jurídico da PMDF irá analisar o amparo legal e as informações serão repassadas o mais breve possível”, diz o comunicado.
Procurado pelo G1, o shopping disse que não passaria detalhes sobre a compra dos equipamentos e nem sobre a reunião em que o acordo foi feito. Segundo a assessoria do centro comercial, essas informações ficaram a cargo da própria corporação. A Secretaria de Segurança Pública também foi procurada mas não retornou o contato até o fechamento desta reportagem.
Acordo suspeito
A informação sobre o acordo com os PMs consta em um comunicado interno de 20 de março. No documento, os dirigentes do Shopping CasaPark dizem aos lojistas que tomaram “a iniciativa de trazer para a intimidade” do centro comercial “a convivência com os policiais militares”.
“Pontualmente, podemos citar duas medidas realizadas para aprimorar e aproximar o nosso relacionamento com a corporação: doação de dez tablets para o 4º batalhão e desconto de 50% nos restaurantes do CasaPark para os Policiais Militares que estiverem fardados”, diz o comunicado.
O documento é assinado pelo superintendente do shopping Iran Valença. Ele cita inclusive o nome do tenente coronel André Luiz, com quem, segundo o comunicado, a administração do shopping estaria “mantendo um relacionamento institucional mais próximo e familiar”.
“Conforme notório conhecimento dos efeitos negativos da insegurança para as pessoas e as empresas, bem como a crescente curva do referido aspecto, tomamos a iniciativa de trazer para a intimidade do CasaPark a convivência com os Policiais Militares, a fim de que possamos manter a nossa eficiente segurança preventiva”, diz o documento.
Corrupção ativa e passiva
De acordo com o advogado Daniel Falcão, professor de direito administrativo do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a conduta dos administradores do shopping pode ser enquadrada no crime de corrupção ativa; já a dos policiais, em corrupção passiva – segundo das práticas descritas no Código Penal.
“Ainda que seja para atuar em área pública, está se comprando o batalhão para um objetivo privado de fazer segurança com instrumentos do poder público.”
Segundo Falcão, empresas privadas não podem fazer acordos com a corporação como forma de obter vantagem sobre o serviço de segurança, que tem finalidade pública. “O ideal é que esses recursos sejam oferecidos à chefia da Polícia Militar, à Secretaria de Segurança Pública ou ao governador, nunca ao batalhão”.
A professora Cristina Zaksesc, vice-coordenadora do núcleo de estudos sobre violência e segurança da UnB, diz que a prática é muito comum no Brasil. “Faz parte da rotina de policiamento. Quem tem maior poder econômico pode arcar com uma contribuição maior e ganhar privilégios”, afirmou.
“A polícia deveria estar onde há mais crimes, e não onde há mais dinheiro. Esse episódio demonstra a desigualdade da segurança.”