Paredes revestidas com azulejos de Athos Bulcão e brises no lugar dos cobogós. Superquadra é exemplo do ‘brutalismo’, corrente modernista onde estruturas da construção ficam visíveis.
Apesar de seguirem o plano de Lucio Costa em relação a quantidade de pavimentos (até seis andares), a necessidade de área verde ao redor e o pilotis livre (entenda abaixo), os blocos residenciais do Plano Piloto, em Brasília, não são iguais uns dos outros. Variam em cor, disposição, materiais.
Mas há blocos que destoam tanto dos vizinhos que quem os vê pela primeira vez chega a questionar se são, de fato, prédios residenciais. Os blocos F, G e I da SQN 107 são exemplos disso.
Pelo lado de fora, o que se percebe é que, ao invés dos tradicionais cobogós – elementos vazados que servem para iluminar e dar ventilação aos prédios – há os brises. São colunas verticais com a função de quebrar o sol e que estão presentes em vários prédios da capital federal, mas nesses blocos eles têm uma particularidade, vão até o chão.
“Essa superquadra tem um caráter que se discutia muito na época, uma das correntes do modernismo, que é o brutalismo. São essas estruturas que ficam mais visíveis”, explica o superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) do Distrito Federal, Carlos Madson.
“A estrutura se fazia mais visível. Não havia a preocupação de mimetizar, de embuti-la na arquitetura. A estrutura era a própria arquitetura também, elas se confundiam.”
Os brises são tão marcantes, nesses blocos, que quem olha rapidamente pode não perceber que o pilotis – área vazada de circulação embaixo dos prédios – é livre (saiba mais ao fim da reportagem). Mas basta chegar próximo para se dar conta de que é possível atravessar as colunas e ir de um lado ao outro do bloco, sem restrição.
Internamente, os blocos são revestidos por azulejos de Athos Bulcão em espaços como o vão da escada e as paredes da área dos elevadores.
O superintendente do Iphan chama atenção para o fato de que o projeto de Lucio Costa não estabelecia que as superquadras fossem iguais. Madson arrisca em dizer que é possível encontrar superquadras “das mais diferentes formas, com resultado melhor, ou pior”.
“Lucio Costa nunca pretendeu, ele nunca disse que queria uma arquitetura igual em toda superquadra. Não havia obrigatoriedade de se fazer repetição.”
Segundo ele, o aspecto inusitado dos prédios F, G e I da SQN 107 guarda outra curiosidade, que vai além da questão visual. A região começou a ser construída em 1965 com o propósito de compor uma unidade de vizinhança.
As superquadras norte 107, 108, 307 e 308 formariam a Área de Vizinhança São Miguel, com 36 blocos residenciais, além de igreja, escola e espaços culturais. Ali morariam os funcionários e professores da Universidade de Brasília (UnB) e o corpo diplomático da capital federal.
“Essa superquadra foi concebida dentro da UnB.”
Madson conta que o grupo trabalhava no Centro de Estudos e Planejamento da UnB (Ceplan), que existe até hoje. “Eram professores e estudantes da época, daí a perspectiva e a preocupação em fazer uma arquitetura extremamente atualizada para aquele momento”, explica.
Nos anos de 1965, o Ceplan era dirigido por Oscar Niemeyer. Mas outros grandes nomes da arquitetura integravam o time, como João Filgueiras Lima, conhecido como Lelé, e Mayumi de Souza Lima.
Coube a Mayumi e a Sérgio de Souza Lima projetar os blocos residenciais do que seria a Área de Vizinhança São Miguel. Mas a proposta não foi realizada na íntegra.
O regime militar fez com que a elaboração de prédios com espírito inovador fosse suspensa. O bloco H, que fica ao lado dos outros construídos, foi planejado por um arquiteto do regime. Chamado de “lâmina”, ele tem brises sutis, mas que terminam logo ao chegar no pilotis – não vão, portanto, até o chão.
Atualmente, a região não é reconhecida como Área de Vizinhança São Miguel. Os moradores a chamam pelo número da superquadra.
O que são pilotis
Os pilotis são característicos da arquitetura modernista, e compõem um dos “cinco pontos para a nova arquitetura” definidos por Le Corbusier. O arquiteto suíço é considerado um mentor de artistas brasileiros como Oscar Niemeyer, Roberto Burle Marx e do próprio Lúcio Costa, responsáveis diretos pelo desenho de Brasília.
Os outros pontos defendidos por Le Corbusier também estão presentes nos prédios do Plano Piloto. O arquiteto defendia plantas e fachadas livres, consequência direta dos pilotis – com o prédio “suspenso” em pilares, as paredes e a fachada podem ser projetadas com mais flexibilidade, porque não cumprem função estrutural.
Como parte do Relatório do Plano Piloto, os pilotis estão inscritos no tombamento de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade. O documento elaborado por Lucio Costa prevê que as superquadras e os blocos poderiam ser mapeados em configurações variadas, desde que três pontos sejam mantidos: máximo de seis andares, separação entre pedestres e veículos e área livre no pilotis.
Fonte G1