Todo mundo quer impostos mais simples. Mas ninguém quer perder dinheiro. Estas são as ideias por trás do apelo que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, fez nessa semana.
“Os empresários, não estou criticando todos, foram muito patriotas na Previdência, mas eles não são atingidos pela Previdência. O que a gente quer deles agora é o mesmo patriotismo na reforma tributária”, declarou Maia em evento da Fundação Estudar, do empresário Jorge Paulo Lemann, realizado em São Paulo no último dia 5.
“Há um sistema distorcido, em que uns pagam muitos impostos e outros não pagam impostos no Brasil. É isso que a gente tem que cobrar de todo mundo. Não adianta querer ser patriota no tema do outro”, acrescentou.
Com a aprovação da Nova Previdência pela Câmara na última semana e a perspectiva de um caminho suave pelo Senado, o foco se volta para a reforma tributária.
De acordo com o ranking de competitividade do Banco Mundial, o Brasil é líder global em tempo gasto por uma empresa apenas para cumprir com obrigações tributárias. São 2 mil horas por ano, o dobro do segundo colocado e 10 vezes mais do que a média mundial – e isso sem falar no tamanho da carga.
Mas enquanto não há dúvidas sobre a necessidade de mudanças, elas mexem com muitos interesses, o que sinaliza que o debate será intenso nos próximos meses.
Concorrência
O primeiro obstáculo é que ainda não há um consenso sobre um texto. A proposta mais avançada é a PEC 45, que já está em tramitação e aguarda parecer do relator na comissão especial.
De autoria do economista Bernard Appy, o texto cria um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) nos moldes de um Imposto sobre Valor Agregado, usado na maior parte dos países desenvolvidos. Ele substituiria cinco tributos já existentes: os federais PIS, Cofins, IPI e os estaduais ICMS e ISS.
Por mexer com impostos estaduais, essa proposta pode gerar resistência dos entes federativos que ao invés de receber os recursos diretamente, teriam que participar de uma comissão para decidir, em conjunto com a União, qual parte lhes cabe do dinheiro de um fundo único.
Uma das vantagens da proposta, que seria o fim da guerra fiscal entre os estados e das ineficiências que ela traz para a organização da atividade produtiva, é também uma de suas vulnerabilidades políticas.
“Qualquer reforma tributária precisa de uma vontade política gigantesca. Precisa fazer, por exemplo, com que os estados abram mão de suas competências para aderir a um imposto único”, diz Rodrigo Brunelli, sócio do escritório Ulhôa Canto Advogados.
Proposta do governo
Enquanto isso, o governo Bolsonaro indica que vai apresentar na próxima semana uma proposta própria.
Segundo Marcos Cintra, secretário da Receita Federal e idealizador do texto, o plano visa uma “enorme simplificação” no sistema tributário e será um meio termo entre as propostas que estão hoje no Congresso mas com itens novos, como Imposto de Renda e desoneração da folha de pagamentos.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, comentou na sexta-feira sobre sua intenção de diminuir a alíquota máxima do Imposto de Renda, que hoje é de 27,5%, em troca do fim de algumas deduções.
O governo estaria estudando ainda corrigir a faixa inferior de isenção do IR, hoje em R$ 1.903,98 mensais, pela inflação. A tabela não é reajustada desde 2015.
Até agora, no entanto, a maior polêmica do plano é a ideia de criar um tributo que incidiria sobre todas as operações de pagamento, o que evoca a extinta e polêmica CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
As principais críticas, encampadas por economistas como Marcos Lisboa, são de que o novo imposto seria em cascata e poderia desestimular o uso do sistema financeiro, além de ter uma arrecadação potencialmente instável.
Flávio Rocha, presidente do conselho da Riachuelo e um dos principais apoiadores do governo Bolsonaro, diz que um imposto de valor agregado é que causaria informalidade.
Ele faz parte de um grupo de empresários, o Brasil 200, que tem feito campanha pública pelo imposto único sobre movimentações financeiras.
Vilma Pinto, pesquisadora sênior da área de Economia Aplicada do Instituto de Economia Aplicada da FGV, explica que o imposto de valor agregado não agrada à parte do empresariado do setor de serviços porque por comprar poucos insumos, essas empresas não teriam tantas deduções a fazer.
“É natural que (com o IBS), o setor de serviços tenha uma alíquota maior no sistema tributário proposto”, diz ela.
É essa briga por interesses individuais que levou ao caos do sistema atual e é por isso que Maia apela ao “patriotismo” de quem pode perder vantagens.
“Quem tem regime especial certamente será oponente da proposta, já que ela passa pela extinção dos benefícios tributários”, diz Brunelli.
É evidente que alguns segmentos que hoje têm carga mais baixa vão resistir, aponta Otaviano Canuto, ex-secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, em entrevista para EXAME.
Mas ele espera que “as reações excessivas não sejam suficientes para bloquear o caminho correto”. Canuto é simpático à proposta de Appy :”É o caminho mais sólido e menos arriscado.”
Debate está longe das ruas
Enquanto o empresariado participa ativamente dos debates sobre a reforma, boa parte dos brasileiros ainda nem sabe que ele existe.
Pesquisa da XP/Ipespe com 1000 entrevistas realizada entre os dias 05 e 07 de agosto mostra que praticamente metade (48%) dos ouvidos não sabia dos debates sobre a reforma tributária.
Para 43% dos entrevistados, a elevada carga de impostos é o principal problema do sistema tributário brasileiro.
Membros do governo falam em reduzir o peso dos impostos, mas em um sistema que gera déficits acima de R$ 100 bilhões por ano e onde 90% dos gastos são engessados por lei, esse objetivo ainda é um sonho distante – seja qual for a intensidade do seu patriotismo.