A previsão era de privatizar todas as estatais federais, que renderiam R$ 1 trilhão. Ao longo do período de transição, Paulo Guedes reduziu essa estimativa para R$ 800 bilhões
Durante a campanha presidencial de Jair Bolsonaro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmava que pretendia privatizar todas as estatais federais, que renderiam R$ 1 trilhão, algo que, para especialistas seria impossível. Ao longo do período de transição, ao se deparar com os primeiros números das 138 empresas controladas pela União, a ficha caiu e o futuro ministro reduziu essa previsão para R$ 800 bilhões. Mas essa receita não deverá chegar a R$ 200 bilhões nas contas de especialistas ouvidos pelo Correio.
A despeito das dificuldades nos cálculos, as privatizações serão fundamentais para ajudar a solucionar um dos principais problemas fiscais de 2019, o cumprimento da regra de ouro, para evitar o crime de responsabilidade fiscal — o que poderia abrir, em última análise, janela para um processo de impeachment logo no primeiro ano de mandato. Além de um deficit primário de até R$ 139 bilhões previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do próximo ano, Bolsonaro precisará cobrir um rombo maior ainda, de R$ 258,2 bilhões. A regra de ouro, prevista na Constituição, proíbe que o Tesouro Nacional emita dívida para cobrir despesas correntes, como salários e aposentadorias.
Mesmo que o governo recorra a artifícios contábeis, como o uso do lucro do Banco Central deste ano, que abaterá R$ 141,2 bilhões dessa conta em 2019, e use outras fontes de receita, esse buraco ainda ficará descoberto em R$ 109 bilhões, pelas estimativas do Tesouro.
Demora
Especialistas avisam que, como o processo de privatização é demorado, essa medida não será a salvação para o equilíbrio das contas públicas no curto prazo. E, para piorar, há uma série de estatais que estão deficitárias e precisam de aportes para ficar mais atraentes aos investidores. Conforme os dados do Ministério do Planejamento, existem 21 estatais, incluindo cinco dependentes, que acumulam patrimônio líquido negativo de R$ 35,2 bilhões. Ainda que todas sejam vendidas, a receita não será suficiente para cobrir as dívidas (leia quadro ao lado).
Pelas contas do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, as privatizações das estatais geraria receita inferior à prevista por Guedes, não passando de R$ 200 bilhões. Ele acrescenta que o ajuste fiscal continuará sendo o principal desafio do próximo governo para o equilíbrio das contas públicas. Nas estimativas do economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV), será necessário corte de R$ 300 bilhões em gastos e, assim, evitar a volta da inflação. Só que, para isso, será necessária uma decisão política tanto do presidente quanto do Congresso.
“O governo nunca conseguiria chegar a R$ 1 trilhão com privatizações. Nem mesmo os R$ 800 bilhões serão atingidos. Um número mais realista para as privatizações é algo entre R$ 170 bilhões e R$ 200 bilhões, não devendo superar esse patamar”, alerta Borges. Ele destaca que o diagnóstico já está mapeado pelos técnicos da equipe econômica. “E é óbvio que há opções que dependem da combinação de corte de despesa e aumento de receitas, incluindo as verbas não recorrentes, como privatizações. Mas o Congresso tem dado sinais de que não está convicto em aprovar reformas econômicas impopulares, como a da Previdência. O novo governo tem evitado encarar o ônus de avaliação da população. Não há convicção da necessidade de fazer reformas mais aceleradas, além de gerar problemas de governabilidade”, avalia.
De acordo com Borges, vender ativos requer planejamento e o momento correto para se conseguir um ágio considerável, e isso não acontece imediatamente. “É preciso viabilizar algumas empresas, que são deficitárias. Portanto, a receita com a privatização será diluída ao longo do mandato”, explica o economista, lembrando que a venda de ativos dependerá também das condições de mercado. O processo pode levar até dois anos. “Um IPO (processo de abertura de capital de uma empresa) é demorado e depende das condições do mercado. Quando uma companhia está preparada pode não ser o momento ideal ,para o lançamento de ações.”
Estratégia
A economista Elena Landau, que comandou o processo de privatizações durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), reforça a necessidade de uma estratégia bem definida pelo novo governo para a venda de estatais. “Minha expectativa é que o modelo seja voltado para reorganizar setores da economia, buscando gerar eficiência e aumento da produtividade. Sozinha, a privatização não vai resolver a questão fiscal”, alerta. Ela também não acredita que a nova equipe econômica conseguirá atingir o volume de receita que vem sendo cogitado por Guedes, principalmente, porque Bolsonaro já deu declarações de ser contrário à venda de Petrobras e da Eletrobras, empresas que atrairiam mais investidores, assim como a Caixa e o Banco do Brasil.
“Privatização está na prioridade do ministro da Economia. Mas, não se sabe ainda qual modelo ele adotará”, afirma. Para que a maioria das empresas seja vendida, Elena lembra que é necessária a aprovação de leis pelo Congresso. “Não sei se o governo vai querer gastar cacife político logo no início do mandato com as privatizações,uma pauta tão controversa para os congressistas, em vez de focar na Previdência, que é prioritária”, avalia ela, acrescentando que, em quatro anos, o máximo que o novo governo conseguirá arrecadar com a venda de ativos e de empresas será algo em torno de R$ 150 bilhões, mesmo incluindo Eletrobras. “E, se conseguir esse montante, a maior parte do dinheiro vai para o caixa das empresas e não vai para abater a dívida da União”, explica. Fonte: Portal Correio Braziliense