Brasília — A troca na chefia do Ministério Público Federal, que ocorrerá daqui a quatro meses com a indicação a ser feita pelo presidente Jair Bolsonaro, já antecipou uma disputa interna de procuradores pelo cargo que ganhou forte relevo nos últimos anos com o combate à corrupção.
Bolsonaro já afirmou que não escolherá um candidato de “esquerda”, um sinal, na avaliação de fontes que acompanham o assunto, de que buscará uma indicação que não vá causar embaraços às políticas de governo que tem levado adiante.
Ainda assim, internamente a disputa pelo novo procurador-geral conta com representantes ligados ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot, com entusiastas da Lava Jato, alguns de perfis pessoais que poderiam contar com a simpatia de Bolsonaro, como declaradamente conservador e um ex-militar, e também “outsiders”.
Há ainda a definição do caminho que será adotado pela atual ocupante do cargo, Raquel Dodge, na disputa –fontes dizem que ela pode se candidatar fora da lista tríplice elaborada pela associação da categoriaou ainda apadrinhar um candidato para a sucessão.
O cargo de procurador-geral tem entre suas competências, por exemplo, questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) iniciativas do governo — no momento em que Bolsonaro já promove e acena com uma radical mudança em políticas para as áreas de meio ambiente e proteção de minorias e tem uma forte agenda de reformas macroeconômicas.
Além disso, está sob sua alçada investigar políticos com foro privilegiado, como o próprio presidente, e ainda constituir, encerrar e reforçar equipes de forças-tarefas, como a da famosa operação Lava Jato.
O poder do cargo é tamanho que o ex-procurador-geral Rodrigo Janot e Dodge denunciaram criminalmente os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer — os dois últimos no exercício do cargo. Dodge ainda acusou o então deputado e atual presidente Jair Bolsonaro por racismo, mas a acusação foi rejeitada pelo Supremo às vésperas do primeiro turno.
A disputa pela sucessão no comando da PGR foi deflagrada por dois principais motivos. Um deles diz respeito a declarações do próprio presidente de não se comprometer a escolher para o posto um nome da lista tríplice elaborada pela associação da categoria — a expectativa é que haja mais de 10 postulantes, inclusive com membros que buscam ser indicados fora da própria eleição promovida pela entidade.
O outro é que a atual procuradora-geral não tem mandado sinais claros sobre se vai buscar uma recondução ao cargo pelos próximos dois anos.
Dodge, cujo mandato se encerra em setembro, passa por desgastes externos e internos. Além da denúncia contra Bolsonaro, ela envolveu-se também em um embate com a força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba ao pedir ao STF anulação de fundo bilionário em acordo firmado com a Petrobras.
Antes do início da campanha pela associação, postulantes têm ido a gabinetes de procuradores e de outras autoridades e feito viagens na defesa da sua escolha. Um dos candidatos, o subprocurador-geral da República Augusto Aras, tem trabalhado pelo seu nome, mesmo declarando que não vai concorrer via lista.
Pela Constituição, os pré-requisitos para ser procurador-geral são integrar a carreira e ter 35 anos ou mais. A indicação é exclusiva do presidente da República, mas precisa ser avalizada pela maioria do Senado em votação secreta. O chefe do MPF não tem ascendência sobre os colegas –cada um deles têm independência funcional–, mas pode reforçar equipes de trabalho.
Independência
Desde 2001, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) tem enviado à Presidência com uma lista dos três mais votados pelos membros para categoria. De 2003 para cá, os presidentes sempre têm escolhido o primeiro da lista –exceto Temer com a indicação de Dodge em 2017, quando optou pela segunda da lista. Não há uma obrigação legal de obedecer a lista.
A consulta da ANPR para os nomes que vão concorrer à lista tríplice está aberta desde a semana passada e se encerra nesta quarta-feira. Já há oito candidatos, mas a tradição é de postulantes se inscreverem na última hora.
A eleição será no dia 18 de junho.Apesar da disputa, candidatos e defensores da escolha de Bolsonaro pela lista afirmam que essa forma preserva a independência da categoria pelo fato de o postulante, nessa hipótese, ter de participar de campanha.
A maior crítica é endereçada ao subprocurador-geral Augusto Aras, que já declarou publicamente interesse de ser procurador-geral fora da lista. Procurado desde a semana passada, ele não deu entrevista à Reuters.
“Uma eventual escolha fora da lista é absolutamente inadequada. As ideias defendidas ficariam de fora do escrutínio público”, disse o procurador regional da República Vladimir Aras, primo de Augusto Aras, e que antecipou à Reuters que vai se inscrever na disputa pela associação.
Ocupante de um cargo que tradicionalmente é ouvido nesse tipo de escolha, o ministro da Justiça, Sergio Moro, tem defendido em conversas reservadas que o presidente opte por um nome da lista tríplice, disse uma fonte à Reuters.
No domingo, Bolsonaro usou o Twitter para negar uma nota veiculada na imprensa de que teria prometido a Moro a prerrogativa de nomear o próximo procurador-geral. Disse que “sugestões e opiniões” serão levadas em consideração pelo governo.
“Tenho muita confiança de que a lista será respeitada”, disse o procurador-regional da República José Robalinho Cavalcanti, ex-presidente da ANPR e que avalia se lançar candidato.
“Sou testemunha de que o presidente Bolsonaro sempre foi amigo do MPF, colocou a Lava Jato como uma de suas prioridades do seu governo e que a lista é um dos pilares para a independência do MP”, completou.