Passados quatro anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, que pertencia à Vale em Brumadinho (MG), bombeiros ainda fazem buscas por três vítimas desaparecidas, enquanto a ação que apura responsabilidades sobre o caso avança após por idas e vindas na Justiça.
Na véspera dos quatro anos da tragédia, que matou 270 pessoas em 25 de janeiro de 2019, a Justiça Federal em Minas Gerais acatou denúncia do MPF (Ministério Público Federal) contra 16 executivos da Vale e da empresa de consultoria Tüv Süd.
Com a decisão, os 16 executivos viram réus sob acusação de homicídio qualificado. Já as duas empresas responderão por crimes contra fauna, flora e poluição. A Vale e representantes dos réus têm negado as acusações.
O desastre despejou 9,7 milhões de metros cúbicos de lama em poucos segundos sobre terminais de carga, um refeitório e outras estruturas onde estavam funcionários da Vale e terceirizados. De lá, o tsunami carregado de rejeitos de mineração atingiu ainda uma pousada, áreas de vegetação e animais e o leito do rio Paraopeba, entre outros pontos.
Entre estavam duas grávidas, o que leva famílias a contabilizar 272 mortos. Três vítimas ainda não foram localizadas, e bombeiros seguem com as buscas por meio de estações que recebem material retirado da área atingida.
Enquanto convivem com a espera e o luto, associações que representam atingidos também reclamam das idas e vindas que têm marcado a ação penal na Justiça nos últimos anos.
Em 2020, 16 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público sob acusação de homicídio doloso duplamente qualificado e crimes ambientais devido ao rompimento da barragem. A lista inclui executivos e funcionários da Vale, como o ex-presidente Fabio Schvartsman, e membros da consultoria alemã Tüv Süd, contratada para analisar a estabilidade da estrutura.
Desde então, o processo vive um embate jurídico sobre a quem cabe a competência de julgar o caso. Membros da defesa de Schvartsman e de um ex-engenheiro da Vale passaram a contestar a competência da Justiça estadual no processo. O argumento é que a tragédia envolveria possíveis danos a sítios arqueológicos e interesses da União.
Após parecer favorável no STJ (Superior Tribunal de Justiça) à ida do caso para a Justiça Federal, a discussão seguiu para o STF (Supremo Tribunal Federal), onde a decisão anterior foi revista pelo ministro Edson Fachin.
O entendimento foi então alterado novamente em dezembro de 2022, após novo recurso da defesa ser julgado pela Segunda Turma do STF.
Na ocasião, três dos quatro ministros presentes apontaram que a omissão de informações sobre a situação da barragem feriu diretamente o interesse da ANM (Agência Nacional de Mineração), órgão vinculado à União e que fiscaliza esse tipo de estrutura.
Fachin manteve a posição anterior, alegando que o prejuízo seria indireto diante dos outros crimes apurados, mas foi voto vencido.
Desde então, o Ministério Público estadual diz que vai recorrer. O órgão aguarda a análise de um requerimento para levar a discussão ao plenário da Corte, o que traria uma posição definitiva sobre a competência.
Ainda à espera dessa definição que pode reverter o caso, o processo avança na Justiça Federal. Na segunda (23), o Ministério Público Federal ratificou integralmente a denúncia feita em 2020 e enviou o caso à 2ª Vara Criminal Federal de Belo Horizonte. O objetivo é evitar o risco de prescrição de alguns crimes ambientais com a anulação da denúncia na Justiça estadual.
Atualmente, o Código Penal fala em quatro anos para a prescrição ocorrer nos casos de pena menor que dois anos -prazo que, na prática, terminaria nesta quarta (25).
A denúncia já foi aceita pela Justiça Federal. “As mesmas pessoas e empresas foram denunciadas pelo MPF. Então, concluímos que as investigações foram bem-sucedidas por parte da Polícia Civil”, afirmou o delegado Luiz Otávio Paulon, um dos encarregados das apurações, em conversa com jornalistas na manhã desta terça.
“Sabíamos da envergadura da investigação e também sempre nos preocupamos com a possibilidade de prescrição”, disse o delegado.
Enquanto isso, a associação que representa as famílias das vítimas tenta acompanhar os desdobramentos. Para Maria Regina da Silva, 58, diretora da Avabrum, o impasse sobre quem deve julgar o caso é “absurdo”. Até então, o grupo defendia que o julgamento ocorresse em Brumadinho.
“É um crime que aconteceu aqui [em Minas]”, diz ela, que perdeu a filha, Priscila Ellen, com o rompimento da barragem.
Na época, Priscila tinha 29 anos e somava dez de trabalho na Vale. “Nossa indignação com esse processo é que isso poderia ter sido evitado. Poderiam ter dado férias aos funcionários, mas pagaram pra ver.”
Ela questiona a demora no processo, cujas investigações prévias apontaram que a barragem apresentava situação crítica pelo menos desde 2017. A Vale também é acusada de ocultar informações sobre a segurança da estrutura com apoio da Tüv Süd, por meio da emissão de declarações falsas de estabilidade da barragem.
Ambas as empresas e representantes dos réus têm negado as acusações.
Em nota, a Vale diz que a barragem era considerada segura por especialistas e em auditorias e que relatórios internacionais após a tragédia apontam que o rompimento ocorreu sem sinal prévio.
A empresa, porém, não comentou sobre os pontos citados na denúncia, como o uso de declarações falsas de estabilidade. Ainda em nota, diz que segue comprometida com a reparação dos danos.
Procurada, a Tüv Süd diz que “continua profundamente abalada pelo trágico colapso da barragem em Brumadinho”.
“Nossos pensamentos estão com as vítimas e suas famílias. Contudo, estamos convencidos/seguros de que a Tüv Süd não tem responsabilidade legal pelo rompimento”, diz o grupo, segundo quem “a responsabilidade da operadora da barragem já foi estabelecida”.
Responsáveis por alguns dos pedidos para que o caso fosse à Justiça Federal, advogados do ex-presidente da Vale negam que ele tivesse conhecimento sobre os riscos da barragem e atribuem a demora na tramitação do processo ao que chamam de “insistência” do Ministério Público de Minas Gerais em manter o caso na Justiça estadual.
“Não estamos escolhendo [qual] Justiça, só analisando a legalidade”, afirma o advogado Pierpaolo Bottini. Em nota, o Ministério Público diz que o pedido para que o caso vá a plenário do STF ocorre para que haja maior segurança jurídica na definição sobre a quem cabe julgar a ação.
Enquanto aguardam notícias do processo, familiares das vítimas se organizam nesta semana para tentar chamar a atenção para os quatro anos da tragédia. No domingo (22), o grupo fez um passeio de bicicleta para cobrar por Justiça.
“A sensação é que só vão ver que a Justiça não foi feita em Mariana e Brumadinho quando outra barragem romper”, diz Regina.