No vídeo, um avião teco-teco está parado na pista de terra, enquanto uma pedra o esmaga até não sobrar nada. Ao lado, em uma fotografia, índios observam suas próprias terras através de um arame farpado. Em outro vídeo, uma mulher permanece impávida observando uma escavadeira que cava uma cova ao redor. Ao microfone, vozes narram crimes como um ataque biológico e um esquartejamento. Há fotos, muitas fotos de rostos de olhares infinitos, desiludidos, assustados, desanimados. E no som ambiente, uma reza para tentar evitar o fim do mundo.
É difícil ficar indiferente à exposição Queda do céu, em cartaz, a partir de hoje (7/5), na Caixa Cultural. Com título extraído de livro homônimo de Davi Kopenawa, e com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra reúne trabalhos de 21 artistas contemporâneos brasileiros e estrangeiros nos quais a questão indígena é central.
A expressão “queda do céu” é uma imagem poderosa na cosmogonia indígena. Trata do fim do mundo e é metáfora perfeita para a situação indígena no planeta. Segundo o mito, o poder dos espíritos segura o céu para que não desabe na cabeça dos homens. No entanto, esse poder se alimenta do equilíbrio da vida, da harmonia entre os seres vivos e o planeta, logo, do respeito e da proteção ao meio ambiente. Em função da violência cometida contra o planeta em vários níveis, tal equilíbrio estaria ameaçado.
“A partir dessa ideia, o que quis fazer foi reunir um grupo de artistas que têm feito trabalhos relacionados a essa violência contra os povos indígenas, que é uma violência que está sempre relacionada à questão patrimonial, à questão da terra”, explica Moacir dos Anjos. Todas as obras evocam a questão indígena e se colocam à disposição da luta. “Mas não é uma exposição indígena”, avisa Moacir.
Montada pela primeira vez em 2015, em São Paulo, e outra em 2016, em Rio Preto, a exposição chega a 2019 com uma urgência que leva em conta a conjuntura, mas que também transcende ideologias e contextos políticos. “Existe um certo desinteresse na sociedade brasileira como um todo em relação a essa questão que acomete os povos indígenas há mais de 500 anos. Essa é uma questão que mesmo governos anteriores não deram a atenção devida. Claro que agora estamos em uma situação muito mais dramática, com uma série de ataques novos. Mas acho que essa questão atravessa a história do Brasil. A questão indígena e a escravidão são violências fundadoras do Brasil”, diz Moacir, que buscou encontrar na produção contemporânea artistas que abordassem a questão.
Na galeria, estão nomes cuja trajetória está intimamente ligada ao universo indígena, como o de Claudia Andujar, há mais de quatro décadas dedicada ao registro dos povos yanomami; Cildo Meireles, filho de um indigenista e autor de obras que questionam a violência praticada contra essas populações; e Bené Fonteles. Mas há também nomes como o do pernambucano Lourival Cuquinha, vencedor de vários prêmios de artes visuais nos últimos anos. Veja como as obras e artistas tratam da questão indígena em Queda do céu.
Queda do céu
Curadoria: Moacir dos Anjos. Abertura hoje (7/5), às 19h, na Caixa Cultural (SBS, Q. 4, lts 3/4). Visitação até 30 de junho, de terça a domingo, das 9h às 21h.
Cildo Meireles
Um caminho de concreto com flechas cravadas no asfalto formam a escultura de Meireles, que remete a uma ação de defesa dos índios. A obra reproduz uma possível armadilha para furar os pneus de madeireiras clandestinas. Cildo passou um tempo próximo aos índios kraôs antes de conceber a obra.
Paz Errazuriz
Na série de retratos Nômades do mar, a fotógrafa chilena registrou os últimos sobreviventes da etnia kawésqar, habitantes da Patagônia e vítimas de violências que levaram, praticamente, à extinção. Na época em que as fotos expostas na Caixa foram feitas restavam menos de 30 índios da etnia.
Lourival Cuquinha
As flechasde Caboclo 7 flechas X ordem e progresso são atravessadas por moedas de R$ 0,50 furadas ao meio em uma alusão ao confronto gerado pelo direito à terra por parte dos indígenas e a pressão do latifúndio.
Anna Bella Geiger
Os mapas de Anna Bella têm uma configuração bizarra e remetem à divisão arbitrária feita durante a colonização, quando os territórios indígenas não eram sequer levados em consideração. Em uma série intitulada Com o meu despreparo com o homem primitivo, Anna Bella recupera cartões-postais com registros de índios e reproduz as imagens com a própria família.
Regina Galindo
O vídeo da artista guatemalteca fala de usurpação de território e se refere à matança dos índios na guerra civil da Guatemala. Regina permanece nua e impávida enquanto uma escavadeira cava a terra ao seu redor. Ao final, ela se equilibra em uma espécie de ilha enquanto enfrenta, apenas com o olhar, a máquina gigantesca. O vídeo expõe o embate entre o desenvolvimentismo exacerbado e a resistência humana.