O festival conta debates e mostras competitivas e informativas
Seja na onda de um experimento narrativo e estético, com cadência semelhante à de longas-metragens, como defendido pelo diretor Rafael Lobo (do curta brasiliense Bartleby) ou na proposta livre, poética e etérea, em termos de linguagem, do videoclipe Left & right (de Camila Lima), objetivada por pequenas equipes de cinema, uma certeza embala a exibição de 134 curtas-metragens na cidade: a composição de um painel diverso. Mostradas, com entrada franca, no Cine Brasília (EQS 106/107), as fitas estão dispostas no Curta Brasília — Festival Internacional de Curta-Metragem, que chega à quinta edição, a partir de hoje. O evento prossegue até domingo e inclui homenagem à consagrada Anna Muylaert (Que horas ela volta?), sábado, às 15h.
Os filmes podem ser concisos — e agrupados em muitas programações, com duas delas exibidas com caráter competitivo —, mas as referências são bem estudadas, como no caso das fotografias dos clipes Cavalier (James Vincent McMorrow) e Pyramids (Frank Ocean), que inspiraram o brasiliense Victor Hugo Nunes, na feitura do videoclipe Vermelho, incluído na Mostra Decibéis do evento. “A partir de uma ideia inicial de roteiro, e depois conversando com o cantor Beto Mejía sobre os significados da música, chegamos a uma narrativa que envolvia diálogo com conscientização voltada à transformação pessoal e sexualidade”, conta o diretor.
O 5º Curta Brasília traz, no bojo, muitos filmes vocacionados à discussão de gênero. Lutando contra a prisão de doutrinas e estereótipos, a diretora Camila Lima, concorrente da mostra competitiva de videoclipes, pretende causar desconforto ou reflexão, com Left & right (a ser exibido sábado). Um sonho nutriu a inspiração dela, que celebra descobertas com o trabalho. “Fomos a uma plantação de algodão, que fica a 60km do Plano Piloto, e filmamos dentro d’água, no Lago Paranoá: tivemos oportunidade de conhecer lugares muito bonitos e que pouca gente sabe que existem”, explica.
Concorrente à parte dos R$ 20 mil em prêmios, a serem distribuídos em votações de júri e ainda por meio de voto popular, o diretor Leo Bello, de O pequeno Pé Grande, observa que o curta reflete um formato independente e “não necessariamente” serve como alavanca para a execução de um futuro longa. Com direito a 11 locações, filmado em seis dias, e possibilitado pela parceria de amigos, O pequeno Pé Grande promete trazer uma reflexão sobre a natureza do homem. “Falamos de como a sociedade padroniza o indivíduo, fazendo com que ele se distancie de sua própria essência”, adianta o diretor.
A saudável ousadia dos curtas pode acoplar um diálogo contemporâneo com o conto Bartleby, o escrevente (de Herman Melville, sempre celebrado pelo clássico Moby-Dick), obra brasiliense em competição. “A adaptação trazendo questões atuais para o cenário de Brasília. O principal ponto da obra é a crítica à institucionalização do poder patriarcal embasado nos moldes de uma razão instrumental”, avalia o diretor Rafael Lobo. Ele entende que, apesar de ser um texto do século 19, ainda traz questões de enorme relevância dentro do atual contexto social e político.
Inspirado no cinema fantástico e nos moldes para recortar e colar das embalagens de cereal, o diretor com pseudônimo Please No deixa transparecer a criatividade embutida no 5º Curta Brasília, na feitura do filme Papel Y-10, animação na programação competitiva de amanhã. Zumbis, um vírus desconhecido, um gorila sem pele (que remete ao filme O homem sem sombra) e um mundo feito de papel marcam presença em Papel Y-10. “O objetivo do filme é entreter e mostrar que personagem gay também pode ser herói, não só o hétero. Sempre quis, por outro lado, fazer um filme que mesclasse terror e ficção”, diz Please No.
Entre os estilos de filmes do evento no Cine Brasília, A culpa é da foto confirma a diversidade: é documentário de cunho político e histórico. O resgate de momento histórico traz fato ocorrido no último ano do governo militar, com o general Figueiredo e um protesto coletivo da mídia. Jornalistas, no momento da descida da rampa do Palácio do Planalto, esperaram pelo presidente Figueiredo, em 1984. Nisso, uma foto histórica abastece a narrativa do curta.
Curiosidades
» A mostra é integrada por 26 filmes inéditos na cidade
» Foram 850 títulos inscritos, e que passaram por seleção.
» Além das mostras destinadas a crianças, haverá mostra Iesb (com fitas universitárias), outra chamada Surdocine (com fitas exibidas com apoio de Libras), a mostra Provocações e filmes de relevância das produções espanholas, alemãs, francesas
e holandesas.
» Cerca de 25 mil pessoas participaram das quatro edições anteriores.
» Em parceria com a Embaixada dos Países Baixos, a organização do evento promoverá 40 sessões com curtas de suporte imersivo, em realidade virtual que cobre 360º, no Espaço CVRTA. Pequenos filmes brasileiros e holandeses compõem a programação com duração aproximada de 10 minutos.