Em entrevista ao Correio, o baixista Canisso fala sobre a relação com Brasília, as mudanças e o novo trabalho
Mesmo depois de ter trilhado caminhos fora da capital, é em Brasília que o Raimundos se sente em casa. O baixista Canisso garante: “Brasília é nossa base”. De volta à cidade, o grupo, formado hoje por Digão, Canisso, Caio e Marquim, apresenta no sábado um show acústico (registrado em DVD com participações inusitadas como a da cantora Ivete Sangalo).
Em entrevista ao Correio, Canisso conta por que só agora a banda gravou e saiu em turnê em formato acústico, fala sobre o cenário atual do rock , sobre o entrosamento da nova formação e a vontade de seguir sempre se reinventando. “É bom tomar cuidado para não achar que está tudo feito, que a missão está cumprida. A missão está longe de terminar”, assegura.
Entrevista // Canisso
Você passou um tempo fora da banda, a formação mudou. Quando vocês perceberam que o Raimundos estava pronto de novo?
Tipo, no primeiro ensaio? Logo que a gente voltou em meados de 2007, já percebeu isso. O Digão tocava com o Caio (baterista), eles já tinham um entrosamento muito grande, Marquinho nem se fala, ele é um virtuose da guitarra e se adaptou desde que entrou. Quando voltei, eu arrisco a dizer que eu busquei dar uma pegada mais nervosa, e falei para eles: “Vamos recuperar um pouco daquela pegada”. Já nos primeiros ensaios, sentimos entrosamento. Claro que a gente vive com o fantasma de separação, de ex-componentes e algumas pessoas ficam com aquela imagem e têm tendência a torcer nariz e não aceitar. O desafio sempre foi provar o contrário. A gente brincava que tinha que matar um leão por noite. E de tanto matar leão você fica bom nisso.
Qual a relação de vocês com Brasília hoje?
Brasília é a nossa casa. Sempre que precisamos recarregar as baterias é para aí que a gente vai, a gente volta para os mesmos 6m² em que a banda começou. Se precisar compor, se precisar ensaiar, a gente vai para a casa do Digão, tem uma estrutura ali. Apesar de nem todo mundo morar aí, Brasília é a nossa base.
Algumas bandas novas, como Dona Cislene,apontam vocês como uma das principais referências. Como veem isso?
É meio como ser um dinossauro, e eu não estou pronto para ser dinossauro. Para mim, é bastante estranho, não é uma ideia muito gostosa, porque eu sempre que penso no Raimundos é tentando saber qual o próximo passo que a gente vai dar. Não gosto de pensar que a gente é algo já pronto, e que vai ser só referências. Quero olhar para frente. Então, é legal isso, eu me sinto lisonjeado, mas é bom tomar cuidado para não achar que está tudo feito, que a missão está cumprida. A missão está longe de terminar.
Por que vocês decidiram só agora gravar um disco e fazer um show nesse formato acústico?
Era uma coisa que sempre foi cobrada da banda. Nos anos 1990, isso era moda e todas as bandas da nossa época, no Brasil ou fora, fizeram isso. Nirvana fez, Alice Chains fez, até o Metallica fez algo do tipo. A gente chegou a fazer alguns registros acústicos naquela época, mas era uma coisa meio descompromissada. Gravamos um programa da MTV assim e a nossa gravadora antiga queria lançar aquilo. Aí, a gente pensou: “O único registro acústico da banda seria esse? Sem preparação, sem ensaio…”. Então, a gente quis fazer um acústico com arranjos, com toda a estrutura que se fazia naquela época e a gente teve a oportunidade de fazer agora. Porque, com essa nova formação, já tínhamos feito um ao vivo, lançado CD de inéditas, gravado DVDs, faltava isso para mudar a página, para começar um novo ciclo.
Vocês são uma banda de rock, com sonoridade pesada, agressiva, como manter isso desplugados?
Apesar disso, de a gente ser uma banda famosa pelo peso, a maioria das nossas músicas foram feitas no violão. Então, são canções que se defendem muito bem em uma rodinha, no acústico. Seria difícil imaginar uma banda como Slayer, por exemplo, fazendo acústico, mas Raimundos faz todo o sentido.
Na gravação do DVD, vocês tiveram participações de artistas de gêneros diferentes, como Ivete Sangalo, Alexandre Carlo, Dinho Ouro Preto e Marcão. Os arranjos têm cordas, metais… Como foi essa mistura?
O principal critério para escolher as participações foi afinidade, a gente queria amigos nossos cantando. O Alexandre, o Dinho e o Marcão, apesar do grande talento deles, o motivo principal foi esse. No caso da Ivete, a gente queria uma voz feminina para cantar um trecho de A mais pedida, e não queríamos uma repetição. Foi também com a ideia de tentar romper barreiras, ela é célebre em outros estilos. Na música não existem fronteiras, a música foi feita para acabar com separações. E a Ivete sempre nos cantou muito bem.
E os arranjos?
Os metais e as cordas têm mais a ver com o desejo que a gente tinha de fazer um acústico com tudo o que tinha direito. O acústico dá espaço para nuances que não ficam percebidas na música. E dá espaço para acrescentar elementos, para enriquecer. Eu queria um CD, que pulasse do som, que você ligasse e ele te desse uma nova pegada.
Você disse algumas vezes que o público do Raimundos quer ouvir os sucessos. Como é isso para vocês e como influenciou na escolha das músicas para esse trabalho?
Isso acontece mesmo, os fãs querem e pedem muito isso. Então, a gente levou em conta muito essa coisa do fã, chegou a fazer uma série de enquetes, mas ninguém melhor do que a gente para saber como seria o melhor para o formato. A gente tinha noção de músicas não tão conhecidas que poderiam ficar muito boas num acústico.
O cenário do rock mudou muito desde que vocês começaram a fazer sucesso?
O que mudou mais, a principal mudança foi o advento da internet e do download. Isso tirou a força da gravadora. Antes, a banda não precisava se preocupar com nada, a gravadora conseguia retorno por meio das vendas. Com o download, elas passaram a apostar menos nos estilos menos populares, então o espaço para o rock ficou muito menor. Mas eu acredito que não faz tanta diferença, porque o habitat natural do rock sempre foi o underground mesmo. Claro que às vezes o underground faz barulho demais e o mainstream vai lá conferir. Então, mudou, mas o rock precisa ter essa liberdade.
Então as mudanças foram positivas?
É difícil dizer, porque as novas bandas precisam jogar nas 11, fazer tudo. Mas, por isso mesmo, elas terão um controle muito maior da carreira, isso é benéfico. Ao mesmo tempo, é injusta a disputa com outros estilos, que têm muito investimento. Não vou citar quem, mas tem gente por aí que rola um dinheiro muito forte por trás. A verdade é que o rock é e sempre foi uma coisa muito espontânea, muito orgânica.É muito difícil você ver uma banda de rock com grande investidor por trás.
SERVIÇO
Raimundos
Centro de Convenções Ulysses Guimarães (Setor de Divulgação Cultural, 5 — Eixo Monumental). Sábado, às 22h. Ingressos de R$ 50 a R$ 120 (valores de meia entrada). Classificação indicativa: 16 anos.