O veto às atividades infantis nos pilotis de um prédio residencial na Asa Sul, ganhou repercussão. Centenas de pais e filhos ocuparam o Bloco H da 312 Sul, no domingo (29/1), em protesto contra as normas do condomínio, que proibia crianças de brincarem embaixo do edifício. Mas a apropriação do espaço público é apenas um dos exemplos do uso indevido das áreas de circulação do Plano Piloto.
Basta uma volta rápida pelas asas Sul e Norte para flagrar diversas situações de irregularidades e obstáculos. Na quadra 109 Sul, são as grades que dificultam a vida dos pedestres. O bloco A, mais próximo do comércio local, é constante alvo de reclamação, uma vez que o pilotis é quase totalmente cercado e impede a passagem de pessoas da área residencial para a comercial.
Na 314 Sul, o estudante Gustavo Cunha, 17 anos, não conseguiu chegar até a W 3 porque dois blocos são gradeados. “Tive que dar a volta para conseguir chegar onde queria. Não deveria ser assim. As áreas são públicas”, desabafa.
Na visão do Iphan o cercamento não resolve a questão de segurança. “Espaços abertos, inclusive, tornam-se mais seguros porque são mais visíveis. Vizinhos, porteiros, e mesmo agentes de segurança pública conseguem ver melhor os locais – uma vigilância comunitária”, destaca o instituto em sua cartilha Superquadra de Brasília.
O instituto considera que as intervenções incomodam quem passa pelo lugar. “A área dos pilotis, na proposta urbana inicial, deveria ser inteiramente livre de quaisquer outras interrupções, que não os próprios pilares e as portarias que davam acesso às escadas e elevadores”, informou o órgão por meio de sua assessoria de imprensa.
Falta legislação
Para Frederico Flósculo, urbanista e professor da Universidade de Brasília, as mudanças em blocos do Plano Piloto se devem a uma falta de legislação específica. “Esse deveria ser um dos pontos abordados pelo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Cada quadra conta com uma situação diferente e precisa ter regras próprias, de forma a preservar o plano original da cidade sem deixar de lado as mudanças necessárias nas últimas décadas”, sugere.
Segundo o especialista, sem regulamentos específicos, síndicos não têm parâmetros e acabam infringindo o tombamento da cidade. “É como deixar crianças de uma creche sem professor. Cada um faz o que bem entende”, compara o urbanista.
Levantamento
A Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) informou por meio de nota que está fazendo um levantamento sobre a situação de todos os pilotis dos prédios do Plano Piloto. “A ação é uma das prioridades do Grupo de Trabalho composto por vários órgãos do governo e criado para discutir a gestão compartilhada do conjunto urbano tombado de Brasília”, alega a instituição.
A previsão é de que o relatório das quadras da Asa Sul esteja pronto em abril, quando será apresentado ao grupo de trabalho. “Até o momento, 80% das quadras da Asa Sul foram vistoriadas. Na Asa Norte, a equipe de fiscalização passou em 30 das 73 quadras.
Na vistoria, os auditores observam itens como garagem, calçadas, acessibilidade, fachada e a cobertura do prédio. Além disso, há a previsão de organizar ações educativas com os prefeitos de quadra e síndicos para tirar todas as dúvidas sobre o assunto e conscientizar sobre a importância de proteger o tombamento de Brasília”.
Atualmente, uma das regras vigentes quanto à preservação dos espaços se dá pela Portaria 166/2016 do Iphan. No texto consta que se deve “proibir a vedação das áreas cobertas de acesso aos prédios (pilotis) e dos parqueamentos – cobertos ou não”, o que condena o cercamento do espaço.
Outra lei em vigor é a 2.046, de 1998, que prevê ocupação do pilotis de, no máximo, 40% de sua área. As construções permitidas incluem salões de festa, guaritas e depósitos. Garagens não são citadas.