Roraima vive um processo de aceleração da degradação ambiental. Um dos estados da Amazônia Legal em que a destruição do bioma mais demorou a avançar, com áreas de floresta ainda consideradas intactas, Roraima possui, porém, metade das dez terras indígenas do país mais ameaçadas pelo desmatamento. Os índices do ano passado foram os piores da década.
Com 122% de aumento da área média anual de floresta desmatada entre 2019 e 2021 em relação ao triênio anterior, foi o estado da Amazônia Legal que mais viu o desmatamento crescer, segundo relatório do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Os maiores problemas ambientais no estado passam pelo avanço do agronegócio de grãos, a grilagem, o roubo de madeira e o garimpo ilegal. “Essa intensificação no ritmo do desmatamento em Roraima tem atores já conhecidos em outras regiões da Amazônia, como grileiros e garimpeiros, que se aproveitam de fatores como a flexibilização das penalidades direcionadas a crimes ambientais e a sensação de impunidade”, aponta a engenheira agrônoma Bianca Santos, pesquisadora do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia).
Uma das consequências das atividades ilegais é a contaminação de rios. Um estudo realizado em parceria entre Fiocruz, ISA (Instituto Socioambiental), Instituto Evandro Chagas e Universidade Federal de Roraima concluiu que peixes de três rios estão altamente contaminados por mercúrio no estado –incluindo um trecho do maior deles, o Rio Branco.
O mercúrio é usado pelos garimpeiros ilegais para separar ouro de outros sedimentos e depois despejado nas águas, mesmo sendo tóxico. O problema é sentido até na capital, Boa Vista, onde os peixes passaram a apresentar níveis de contaminação muito acima do aceitável, conforme aponta o estudo.
Quem mora na região conta que os peixes carnívoros, por exemplo, são evitados diante do risco de doenças. “O efeito do garimpo ilegal chegou na capital. A maior parte das espécies que a população consome no dia a dia está com contaminação muito alta”, destaca Ciro Campos de Souza, pesquisador do ISA.
Há pelo menos duas fortes frentes de pressão ambiental no estado. Enquanto o desmatamento avança pela floresta amazônica nos municípios do sul, junto com a grilagem, as áreas de savana ao norte são disputadas pelo agronegócio de grãos. “Nós vivemos hoje um momento de aceleração de todos os tipos de uso e ocupação da terra aqui em Roraima”, resume Ciro Campos.
Já o garimpo ilegal de ouro cresce principalmente na Terra Indígena Yanomami, que vive agora o seu mais elevado nível de degradação, denunciam entidades. A Hutukara Associaçao Yanomami estima que há mais de 30 mil pessoas atuando nessa atividade ilegal dentro da terra indígena.
Mesmo assim, há pouca ação dos governos estadual e federal –a União é responsável pela fiscalização em terras indígenas, apoiada pelas forças do estado.
Alinhado à visão ambiental do presidente Jair Bolsonaro (PL) e líder nas pesquisas eleitorais deste ano, o governador de Roraima, Antonio Denarium (PP), sancionou em julho deste ano uma lei que proíbe a destruição de equipamentos apreendidos de garimpeiros ilegais.
Na ocasião, justificou que Roraima tem mais de 50 mil famílias que dependem dessa atividade e chamou os garimpeiros ilegais de “empreendedores da mineração”.
Questionado pela reportagem se a decisão não incentivaria a atividade ilegal, o Governo de Roraima negou. Na visão da gestão, a lei apenas cria normas para que os itens sejam aproveitados pelo poder público em outras frentes, em vez de serem incendiados.
As invasões às terras indígenas vêm deixando ainda um rastro de violência no campo, especialmente contra guardiões da floresta. Segundo ativistas que preferiram não se identificar, são crescentes as ações de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas.
Para combater o desmatamento, o Governo de Roraima diz que desenvolve ações de fiscalização, educação ambiental, combate a queimadas e assistência técnica. Conforme o governo, em 2021 foram aplicadas 122 multas que somaram R$ 6 milhões.
Segundo especialistas, porém, o próximo governo deveria atuar com ações mais rígidas. “O governo estadual pode tomar a frente contra ações de desmatadores ilegais fortalecendo seus órgãos ambientais estaduais e municipais”, sugere a pesquisadora Bianca Santos.
Ela diz que é necessário reanalisar as políticas ambientais encaminhadas ao Legislativo que representam retrocesso de leis ambientais.
Ciro Campos aponta que as soluções devem passar também por um planejamento de expansão do agronegócio dos grãos, para que ela não ocorra de forma desordenada em toda a área de campos naturais fora das terras indígenas.
Além disso, incentivo ao turismo e ações para valorizar a transição energética são apontadas como urgentes. “Temos um potencial semelhante ao do Nordeste em energia solar”, pontua ele.
A eleição para o governo estadual de Roraima tem neste ano dois candidatos na dianteira das pesquisas. Juntos eles concentram mais de 80% das intenções de voto.
Denarium, que busca a reeleição e está à frente nas pesquisas, cita “cuidado aos povos indígenas” em seu plano de governo. Ele prevê inclusão digital e mobilidade com estrutura terrestre e fluvial às comunidades.
O texto promete ainda programa de captação de água potável e de energia alternativa, além de fortalecimento de atividades produtivas artesanal, agropecuária, florestal e extrativista.
Já a segunda candidata mais bem colocada nas pesquisas, Teresa Surita (MDB), diz querer desburocratizar a documentação do licenciamento ambiental, retomar o diálogo com o governo federal sobre a matriz energética do estado e criar novas formas alternativas e limpas de geração de energia. Ela também propõe estimular a criação de secretarias municipais de meio ambiente.
O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.
Por FolhaPress