Febre, dor no corpo, vômito e formigamento. Os sintomas comuns da dengue estão impedindo a costureira Elisângela Lima da Silva, 40 anos, de trabalhar há quatro dias. Moradora do Paranoá, ela tem dois filhos e enfrenta a doença pela segunda vez. Ela é uma entre os 21.360 casos suspeitos no Distrito Federal. Segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde (SES-DF), divulgado na segunda-feira, já são mais de 18 mil casos prováveis de dengue e 21 óbitos. A última vez que houve registro de números tão altos foi em 2016. No ano passado, apenas uma pessoa morreu, e a pasta registrou cerca de 2,4 mil ocorrências.
Segundo o médico especialista em epidemiologia e controle de doenças e professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) Pedro Luiz Tauil, a dengue, como outras doenças virais, tem ciclos. Ele explica que há quatro tipos diferentes de sorotipos. Uma vez que a pessoa é infectada por um, fica imunizada contra ele para sempre, mas ainda pode ter a dengue dos outros tipos. “Observando o histórico da doença desde 1985, vemos que há épocas com mais casos e épocas com menos. Quando as pessoas ficam muito tempo sem introdução de um sorotipo, elas não adquirem imunidade”, analisa.
De acordo com ele, há cerca de dois anos o tipo 2 tinha poucas manifestações e isso fez com que ele agora se alastrasse. “É um vírus com maior capacidade de produzir casos graves e até letais”, alerta. Além disso, ele ressalta a importância do saneamento básico para evitar a formação de focos do mosquito transmissor. O professor destaca a importância do papel da população no combate.
Programas de conscientização, no entanto, quase não foram vistos, de acordo com moradores do Itapoã que ontem procuraram a tenda montada pelo GDF na Unidade Básica de Saúde 1. Uma delas era a jovem Geovana Silva Ferreira, 14, que tomava soro deitada em uma maca. A mãe, a empregada doméstica Shirley da Silva, 42, afirma que diversos pneus acumulando água estão espalhados na rua onde moram, no Itapoã 2. “Ninguém se preocupa. Se cada um fizesse a sua parte, isso não estaria acontecendo”, critica.
Como ela, a dona de casa Jandira Brito, 48, levou o neto Wendel Brito, 3, para a tenda. O pequeno vem apresentando os sintomas da doença desde sexta-feira. “Faço de tudo para evitar dengue na minha casa, mas não sei como os vizinhos agem”, pondera. Começou a funcionar ontem o sétimo ponto de hidratação para combate à dengue, em Samambaia, ação emergencial do GDF.
O professor especialista em saúde comunitária e médico de família Melchior Machado, da Universidade Católica de Brasília (UCB), acredita que o governo agiu tardiamente. “Campanhas de prevenção são fundamentais e poderiam ter sido feitas desde o início. Nós, da área de saúde fazemos isso o tempo todo, mas é trabalho de formiguinha.”
Cobrança
Nesta terça-feira (28/5), o Ministério Público do Trabalho (MPT) decidiu manter a interdição do serviço de fumacê, suspenso desde 6 de maio. Segundo a procuradora Renata Coelho, responsável pelo caso, os documentos entregues pela Secretaria de Saúde não cumpriam as exigências. Faltaram certificados que comprovem a qualificação dos trabalhadores, recibos de entrega de equipamentos de proteção individual (EPI) e exames médicos dos funcionários.
Para o professor Melchior, o fumacê seria uma contribuição significativa. “Diminuiria o número de mosquitos, porque ele mata o que fica escondidinho. Seria uma ajuda, mas a gente costuma fechar a porta depois que o ladrão vem. Não se pensa muito em prevenção”, lamentou o especialista.
O GDF tem até esta quinta-feira (30/5) para apresentar a documentação final. “Vamos entrar com uma ação civil pública pedindo o cumprimento, a responsabilização do gestor e indenização à sociedade”, afirmou Renata Coelho. A Secretaria de Saúde informou, em nota, que “atendeu a todas as exigências do Ministério Público do Trabalho, que deverá receber a documentação complementar nas próximas horas”. O MPT não é o único de olho na pasta. O Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) deu 15 dias para que a secretaria se manifeste sobre o aumento do número de casos, decisão tomada com base em representação do deputado Leandro Grass (Rede), que aponta negligências nas ações de combate a doenças endêmicas.
Na segunda-feira, a subsecretária de Vigilância à Saúde, Elaine Morelo, foi exonerada pelo governador em exercício, Paco Britto. Em nota, a SES-DF disse que “cargos comissionados são de livre provimento. Nomeações e exonerações ocorrem de acordo com a avaliação das chefias e do governo”.
Divino Valero Martins, que já foi coordenador geral dos Programas Nacionais de Controle e Prevenção da Malária e das Doenças transmitidas pelo Aedes no Ministério da Saúde assume a vaga. Em 23 de maio, o diretor de Vigilância Ambiental Petrônio da Silva Lopes entregou carta de demissão alegando “motivos pessoais”. O cargo agora é ocupado por Rômulo Henrique da Cruz, que foi coordenador da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Dengue em números
Veja a quantidade de casos de dengue e mortes causadas pela doença em outros anos:
2019* — 21 mortes e 18.649 casos prováveis
2018 — 1 morte e 2.463 casos prováveis
2017 — 12 mortes e 4.752 casos prováveis
2016 — 22 mortes e 19.982 casos prováveis
2015 — 28 mortes e 10.898 casos prováveis
* Números até 18 de maio
Fonte: boletins epidemiológicos da dengue/Secretaria de Saúde
Proteja-se
Sintomas
O diagnóstico da dengue é dado por meio de exame de sangue. Veja quais são os sintomas mais comuns:
Febre alta com início súbito
(entre 39 e 40 ºC)
» Fortes dores de cabeça
» Dor atrás dos olhos (que piora com o movimento)
» Manchas e erupções na pele
» Cansaço extremo
» Dores nas articulações
» Náuseas
» Vômitos
Cuidados
Saiba quais cuidados tomar para evitar a proliferação do mosquito transmissor:
» É preciso evitar água parada. Por isso, tampe baldes, caixas d’água e tonéis, deixe garrafas viradas para baixo e mantenha lixeiras sempre tampadas
» Coloque areia nos pratos
de vasos de plantas
» Mantenha ralos e calhas
sempre limpos
» Utilize repelente
» Acione a Vigilância Ambiental, SLU ou Novacap caso suspeite que um local é foco do mosquito.