Parlamentar conversava com agenciador que faz lobby no Congresso. Cafetão também falou com assessores de Bolsonaro sobre pílula do câncer
O senador Ivo Cassol (PP-RO) e assessores dos deputados Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) tiveram conversas interceptadas no âmbito de um inquérito conduzido pela Polícia Civil do Distrito Federal. A corporação apura a atuação de uma rede de prostituição que age na capital da República e no Rio Grande do Sul. Os parlamentares e seus funcionários não eram objeto da investigação, mas acabaram caindo nas escutas com autorização judicial porque mantiveram diálogos com um cafetão alvo da investida policial.
João Wilson Costa Sampaio é apontado no inquérito como um agenciador de garotas de programa que negocia encontros sexuais em Porto Alegre e em Brasília. Nos últimos meses, ele foi monitorado pela Polícia Civil do DF e os agentes descobriram que o homem oferecia como prostituta até mesmo a própria companheira, com quem tem dois filhos. Segundo as apurações policiais, ele recrutava outras mulheres e as usava para se aproximar de políticos do Congresso Nacional.
Um dos temas de interesse do cafetão, de acordo com o inquérito conduzido pela 3ª DP (Cruzeiro), era a regulamentação da fosfoetanolamina, popularmente conhecida como pílula do câncer.
No âmbito dessa apuração, os policiais acabaram interceptando uma conversa entre Ivo Cassol e uma das prostitutas agenciadas por Sampaio, identificada como Gabriela. Na ocasião, em 10 de maio de 2016, uma terça-feira, o cafetão estava no gabinete do senador. Às 17h34, Sampaio e a mulher se falam pelo telefone. Em determinado momento, ele passa o celular para Cassol.
Pedido do senador à prostituta
Segundo o inquérito, o senador pergunta se Gabriela virá a Brasília. A mulher confirma. Cassol, então, diz que vai esperá-la e pede que a moça o visite. O parlamentar ainda pergunta “se ela virá sozinha ou com mais gente”. A moça responde que estará só. O documento policial registra que Cassol “quer conversar pessoalmente e insiste em vê-la”.
Durante o diálogo, Gabriela ainda conta que está vindo a Brasília com o objetivo de cursar uma faculdade, e o senador coloca o gabinete à disposição, para ajudá-la no que for preciso até que ela se estabeleça na cidade. Segundo o inquérito, Cassol “demonstra-se muito interessado no retorno dela ao Distrito Federal e deixa bem claro que já a conhece de outras ocasiões”.
Pílula do câncer
No período em que Sampaio foi monitorado, a Polícia Civil constatou o interesse do agenciador de garotas de programa na aprovação da pílula do câncer. Em algumas das conversas interceptadas, o cafetão entra em contato com assessores dos deputados Jair e Eduardo Bolsonaro, respectivamente pai e filho. O próprio inquérito policial ressalta que, nesses diálogos, não há “nada que indique algum ilícito”.
Jair e Eduardo Bolsonaro estão entre os autores do projeto de lei que autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados com neoplasia maligna. A produção e a comercialização da pílula do câncer chegaram a ser autorizadas em abril de 2016 — período posterior às gravações da Polícia Civil do DF —, a partir da aprovação do projeto de lei no Congresso e da sanção da então presidente Dilma Rousseff (PT).
Entretanto, a norma foi suspensa no mês seguinte por uma decisão do Superior Tribunal Federal (STF). Faltavam evidências científicas da sua eficácia. Testes clínicos foram realizados depois pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. Mas o Icesp não encontrou “benefício clínico significativo” para os pacientes e suspendeu as pesquisas em março de 2017.
Apesar da forte atuação do cafetão João Wilson Costa Sampaio na Câmara e no Senado em prol da pílula do câncer, como esse não era o objeto de apuração, a Polícia Civil não investigou a razão pela qual Sampaio fazia lobby pelo tema.
Outro lado
O senador Ivo Cassol afirmou que todas as conversas com Sampaio e Gabriela foram para discutir o projeto de lei da pílula do câncer. O parlamentar disse que desconhecia qualquer envolvimento da dupla com prostituição e exploração sexual.
Cassol explicou que a mulher com quem falou ao telefone chegou a participar de uma audiência pública para debater os efeitos da fosfoetanolamina. “A Gabriela veio para cá e eu a conheci durante essa sessão, que foi filmada. Ela tinha uma irmã de 9 anos com câncer. Nunca tive qualquer envolvimento com essa moça. Tudo foi um grande mal entendido, não sabia que supostamente se tratava de uma garota de programa”, afirmou.
Sobre Sampaio, Cassol afirmou que foi procurado “duas ou três vezes” pelo cafetão, mas sempre para tratar do mesmo assunto: a aprovação da fosfoetanolamina. “Em todas as vezes que o encontrei, conversamos sobre o medicamento. Eu estranho muito essas informações que constam no inquérito porque não tenho qualquer tipo de vida noturna. Saio muito pouco em Brasília, nem para jantar”, finalizou o senador.
As assessorias dos deputados Jair e Eduardo Bolsonaro foram acionadas para comentar a relação dos parlamentares com o cafetão e lobista João Wilson Costa Sampaio, mas a reportagem não obteve resposta até a última atualização desta matéria.
A investigação
O trabalho da Polícia Civil que apura a conexão entre agenciadores de garotas de programa do DF e do Sul do país vem desde o início de 2016 e reúne dezenas de horas de gravações feitas com autorização judicial. Sampaio, segundo apontam os investigadores, é um dos integrantes dessa rede de prostituição.
Ainda de acordo com os policiais, o aliciamento das mulheres começa em boates e casas noturnas no interior do Rio Grande do Sul. Em geral, são cooptadas jovens em dificuldades financeiras, que faturam pouco com o mercado da prostituição.
Os agenciadores prometem passagens aéreas, hospedagem e uma carteira de clientes, tanto no Distrito Federal quanto no Rio Grande do Sul. As mulheres também ganham espaço em sites adultos, nos quais são veiculados anúncios e vídeos das prostitutas.
Aluguel de imóveis
Para receber as garotas de programa que vêm de fora, dezenas de imóveis são alugados pelo grupo no DF. Na capital do país, as moças ficam em apartamentos espalhados por localidades como Sudoeste, asas Sul e Norte, Águas Claras e Setor Hoteleiro Norte.
Os imóveis são locados diretamente com imobiliárias, em nome de um integrante do grupo ou de terceiros, e acabam sublocados para as garotas de programa, que precisam pagar valores entre R$ 500 e R$ 900 semanais.
Além de serem obrigadas a quitar todos os débitos feitos durante a viagem e pagar pelo aluguel, algumas prostitutas foram enganadas pelos cafetões. Depoimentos prestados pelas garotas de programa à Polícia Civil do DF revelam que, após depositarem o dinheiro adiantado do aluguel, as chaves dos imóveis jamais foram entregues.
Atualmente, a equipe da 3ª DP segue em campo para identificar todos os integrantes do grupo e, assim, pedir os respectivos indiciamentos à Justiça. Não foi definido prazo para o encerramento das apurações.