Com presença de grupos indígenas isolados confirmada pela Funai (Fundação Nacional do Índio), a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, no sul do Amazonas, está há quase seis meses sem a renovação da portaria de restrição de uso, mecanismo administrativo necessário para evitar o risco de mortes dos indígenas.
Há 78 dias, o MPF-AM (Ministério Público Federal do Amazonas) está sem resposta para a recomendação feita à Funai de renovação do documento sob pena de responder pelo “genocídio dos isolados na região”.
Na última sexta-feira (20), a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o OPI (Observatório dos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato), o ISA (Instituto Socioambiental), a Opan (Operação Amazônia Nativa) e a Survival International encaminharam ao procurador que atua no caso, Fernando Merloto Soave, uma carta.
Nela, as organizações, que fazem parte da campanha “Isolados ou dizimados”, relembram ao MPF-AM o histórico da terra indígena, os riscos de morte dos isolados, a engrenagem de omissão atual na Funai e a falta de resposta ao MPF-AM desde março deste ano, além do fato de que a portaria de proteção venceu em 1º de dezembro do ano passado.
“Sem medidas imediatas, poderemos assistir ao desaparecimento silencioso dos Katawixi, sob condições violentas e dramaticamente invisíveis”, diz trecho da nota.
Jacareúba-Katawixi fica nos municípios de Canutama e Lábrea, na região do Purus, e o estudo sobre indígenas isolados na região data de 2007. Segundo o OPI, a portaria de restrição de uso da terra indígena tinha renovação de dez anos, mas, com a política do novo governo, os isolados perderam a proteção do documento.
Em duas delas, Ituna-Itatá e Piripikura, a Funai foi obrigada a renovar a portaria por decisão judicial.
No Amazonas, o MPF-AM optou pela recomendação, que continua sem resposta.
“Qualquer postura omissa implicará em responsabilidades diretas do órgão indigenista em relação ao risco de violência e extermínio contra as pessoas deste grupo indígena que mantém sua determinação proativa de isolamento e recusa do contato com as forças predatórias de ocupação regional”, afirma a carta das organizações ao procurador responsável pelo caso.
A carta das organizações enviadas ao MPF-AM diz ainda que as invasões e a grilagem de terra resultantes do impacto da BR-319 na região “tendem a agravar-se” em função da falta renovação da portaria de restrição de uso.
De acordo com o indigenista e antropólogo do OPI Miguel Aparício, a região onde fica Jacareúba-Katawixi está ameaçada pela atuação de grileiros, madeireiros e pessoas que compram lotes “até pela internet” e desmatam a floresta.
Na década de 1990, segundo Aparício, a região vivia outro momento com demarcações e criação de unidades de conservação.
A partir de 2004, relata o antropólogo, iniciou-se um processo que ele caracteriza como “Rondonização do sul do Amazonas”, com a expansão do desmatamento para esta região até então preservada.
“Hoje, a região virou uma espécie de espinha de peixe com estradas e ocupação desordenada. Qual nosso drama? A falta de monitoramento, o risco de um genocídio dos indígenas”, disse.
Segundo a carta das organizações enviadas ao MPF-AM, dados oficiais do PRODES/INPE apontam que até julho de 2021 foram desmatados 5.889 hectares no interior da terra indígena, equivalentes a 3,3 milhões de árvores derrubadas. Os dados dos mesmos sistemas apontam que entre agosto de 2020 e 31 de julho de 2021 o desmatamento aumentou 60%.
“É arrepiante pensar que não sabemos o que pode ter acontecido ou acontecer com os indígenas”, afirmou o antropólogo.
Fonte: Jornal de Brasília