Profissionais dizem ser impossível adotar a resolução, enquanto especialistas defendem a decisão
Com o retorno às aulas, o uso de cadeirinhas para crianças de até 7 anos e meio em transporte escolar voltou a ser alvo de embate. A Resolução Nº 277, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), deve vigorar no início de 2016, mas a regra tem causado insatisfação nos donos de vans escolares e dúvidas em pais de alunos. Os transportadores alegam que os veículos não são adaptados para comportar o assento e ameaçam parar de oferecer o serviço a esse público. Para especialistas, o essencial é garantir segurança no deslocamento de casa para a escola.
A norma exige que crianças de até 7 anos e meio sejam transportadas em cadeiras próprias para a idade nos veículos escolares (veja Quadro). A regra vale para carros de passeio desde 2010. A mais recente tentativa dos transportadores escolares foi adiar a vigência da resolução, prevista para fevereiro. “O jeito parece ser deixar de transportar essas crianças. Tivemos uma reunião para debater isso, mas não houve avanço”, disse Albenir Nogueira, vice-presidente do Sindicato dos Transportes Escolares do Distrito Federal. “Estamos tentando negociar. Queremos mostrar as dificuldades dos motoristas em seguir a norma. Eu tenho certeza de que realmente não é possível seguir a orientação”, avaliou.
Para justificar a posição, os transportadores afirmam que não há cintos de segurança de três pontas nos bancos de trás da maioria dos veículos escolares, sendo arriscado instalar tais equipamentos. Os motoristas reclamam da incompatibilidade dos acessórios. Eles destacam, por exemplo, a dificuldade para guardar as cadeiras quando estiverem transportando alunos mais velhos. “São dificuldades que não temos como corrigir no dia a dia”, afirma Albenir.
David Duarte Lima, especialista em segurança no trânsito, defende que é preciso garantir a segurança das crianças. “A cadeirinha funciona como uma vacina, a criança precisa estar protegida em um possível acidente. O problema é que, hoje, o transporte escolar é uma atividade comercial, não um serviço”, critica David. Para o estudioso, o governo está atrasado para a implantação da regra. “Estão faltando explicação da resolução, campanhas educativas e incentivo à compra das cadeirinhas. O cidadão precisa se acostumar com a ideia. Por exemplo, poderia se reduzir os impostos desses itens, neste primeiro momento, para aquecer o mercado”, afirma.
Impasse
Alguns pais consideram a resolução desnecessária. Outros sequer conhecem a regra, como o servidor público Júlio Garcia, 47 anos. “Não estou sabendo. Será que vai mudar muita coisa? Mas sempre é bom ter algum entrave de segurança”, avaliou o pai de um garoto de 6 anos. Longe de ser uma preocupação, na casa da empresária Maria Ruth Duraes, 50, o transporte escolar é sinônimo de qualidade e segurança. Maria Fernanda Duraes, 13, utilizou o serviço até o ano passado. “Minha filha entrou em uma van pela primeira vez aos 3 anos. Nunca tivemos nenhum tipo de problema. Acho que essa é só mais uma lei para ficar no papel”, acredita a moradora do Guará.
Os pais dos mais pequenos, porém, estão mais preocupados pela segurança. “Quando eu levo para a escola, uso a cadeirinha. Por que eles não vão usar na van? Essa é uma questão de querer fazer. Uma cadeirinha não vai impedir de transportar outros alunos maiores”, questiona a arquiteta Carlas Vieira Ferratin, 36, mãe de uma menina de 5 anos.
A decisão, na opinião dos perueiros, é fruto de lobby de parte da indústria automotiva. Segundo os profissionais, a regra abre precedente para a padronização dos veículos, passando o transporte a ser feito apenas por ônibus — também sem cadeirinhas — e dominado por grandes empresas. “Vai dificultar o trabalho. Essa não é a melhor forma de garantir segurança. O que vai acontecer é a gente optar por crianças maiores para fugir da penalidade da regra”, explica o perueiro Jardênio Carlos Pereira de Paulo, 44. Ele presta esse serviço há 18 anos e diz nunca ter sofrido acidente. “Dirigir com prudência e não lotar o carro além da capacidade são medidas simples e que garantem segurança”, afirma.
O colega João Batista Dias, 51 anos, concorda, mas ressalta a pressão sofrida pelos profissionais. “Fizeram a lei e não perguntaram as nossas dificuldades. Querem que a gente atenda a todas essas regras sem saber como é o nosso dia a dia”, reclama o perueiro, que começou a trabalhar nesse seguimento em 1999.
A resolução do Contran não exige o selo do Inmetro para os equipamentos utilizados no transporte de crianças. Quem descumprir a norma está sujeito a penalidade prevista no artigo 168 do Código de Trânsito Brasileiro, que considera a infração gravíssima, e prevê multa de R$ 191,54, sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação e a retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada.