Daniel Moreira começou a se interessar pela vida à beira das estradas brasileiras em 2010, quando percorreu um trecho da BR 381 durante cinco anos para fotografar. O artista mineiro queria registrar o cotidiano de andarilhos na região. “Comecei a reparar na interação dos ambulantes com a rodovia e comecei a fotografar a relação do ser humano com o meio no qual ele está envolvido, como ele é contaminado pelo espaço e como o espaço se contamina com a presença do homem”, explica Moreira, que mostra o resultado na exposição Trilogia limítrofe, em cartaz na Galeria Marcantonio Vilaça do Centro Cultural do Tribunal de Contas da União (TCU). A exposição com 67 fotografias tem curadoria de Cinara Barbosa.
Moreira escolheu um trecho de 200 Km da estrada conhecida como rodovia da morte, uma das mais perigosas do Brasil. Para percorrer a distância em segurança, ele levava cerca de oito horas. Às margens da rodovia, fotografava a vida em suspenso de pessoas que escolheram a estrada como pouso. “A estrada é um lugar de passagem rápida, mas para quem mora na estrada, é um espaço mais lento. É um limbo, um não lugar, a pessoa não está inserida num contexto social e não é um sem teto, é um andarilho”, avisa o fotógrafo, para o qual uma das referências foram as esculturas dos profetas de Aleijadinho, que ele encara como andarilhos. À série de fotografias, ele deu o nome de Paisagem ambulante 381 e, a partir desse trabalho, começou a criar um segundo ensaio, chamado de Desencanto e dedicado a parques e circos que encontrou à beira da estrada.
Esses espaços de lazer não chegam a ser fixos e são fruto do mesmo movimento empreendido pelos andarilhos. “Comecei a pesquisar sobre esse desprendimento das periferias que utilizam esses parques para se desprender de uma realidade dura e se transportar num momento de diversão”, conta. As ocupações urbanas de Belo Horizonte estão no terceiro ensaio apresentado na exposição, Sob o mesmo céu. Se nas duas primeiras séries as imagens foram realizadas em preto e branco, ao entrar nas casas das pessoas, ele escolhe a fotografia em cor. “Nas ocupações, vi uma vida muito pulsante no sentido da esperança, então comecei a fotografar em cor, e em filme, porque queria imagens mais orgânicas”, explica.
Há muito da narrativa documental nas imagens de Moreira, embora ele faça questão de avisar que não é fotojornalista nem pretende fazer um registro puramente histórico. “A exposição é mais um estudo, um recorte dentro do meu imaginário. Não sou um fotojornalista, meu trabalho vai muito na linha da imagem documental com diálogo com as artes visuais. Edito as imagens para tentar externar o mundo que consegui enxergar, que vivi, mas não necessariamente o mundo em que essas pessoas vivem”, avisa.
No total, foram 10 anos de pesquisas e registros nos quais o artista tenta refletir sobre a vida nas áreas periféricas dos grandes centros urbanos. “Sem perceber, criei um conjunto de imagens em que dialogo com a problemática da moradia brasileira. Não era meu projeto, quando terminei esse 10 anos de pesquisa, fui convidado para fazer uma exposição em Montevidéu (Uruguai) e vi que tinha um conjunto de imagens que formavam uma trilogia com o mesmo tema”, avalia o artista, que mostra o conjunto no Brasil pela primeira vez.
Trilogia limítrofe
Exposição de Daniel Moreira. Curadoria: Cinara Barbosa. Visitação até 4 de junho, de quinta a sexta, das 9h às 18h, e sábado, das 11h às 17h, na Galeria Marcantonio Vilaça Centro Cultural TCU (Setor de Clubes Esportivos Sul Trecho 3).
Fonte: Correio Braziliense